Se Matteo se esforçasse um pouco, ele poderia ter esboçado um sorriso com a pequena piada de Pasqualina. Ter se tornado um pouco mais receptivo ao perceber que ela não era uma das garotas loucas que estavam atrás dele pela maldição. Não que Matteo tivesse sorte, quando não era uma louca em relação à maldição, era simplesmente louca. Ele não tinha muita sorte naquele departamento. Porém, ele não conseguiu fingir o sorriso, não conseguiu fingir que estava tudo bem, pelo menos não pelas suas expressões, por mais que as palavras falsas saíssem com facilidade. "Eu estou bem, Lina," ele disse distraidamente. O que mais poderia dizer ou fazer? Mesmo Pasqualina sendo uma das pessoas naquele grupo exótico, eles não tinham tanta intimidade, por mais que se conhecessem por muito tempo. Matteo costumava ser como óleo e água com a maioria das pessoas, então não era estranho que ele e Pasqualina não tivessem muito em comum. Ele respirou fundo e finalmente forçou o sorriso, se virando para ela, "e você? Como estão às coisas?" Mesmo não perguntando diretamente, queria saber como ela estava com aquela loucura de maldição.
"Ah, desculpe..." Pasqualina já se preparava para levantar, embora o assento ao lado dele estivesse claramente disponível. O aviso de ocupado em forma de um resmungo pareceu direto o suficiente. Sentou-se novamente depois dele ter percebido que não era uma das fangirls da maldição. "Oh, não, não vou pedir para tirar foto com um 'reencarnado'." Repetiu o gesto das aspas, com um sorriso fraco. Depois das missões, Lina andava muito pensativa, com um semblante aéreo e ao mesmo tempo preocupado, não imaginava que alguns do grupo acabariam se machucando de forma tão severa. "Só vim dizer oi e perguntar como você está. Está tudo bem?" Perguntou com o olhar fixo na garrafinha de água que levava na mão, sem retonar o olhar a Matteo.
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Matteo não desviou o olhar dessa vez. Observou Helena com uma atenção silenciosa, quase desconfortável, como quem não sabe o que fazer quando alguém escolhe ver além da fachada. Havia algo na forma como ela falava — tão contida, mas ainda assim vulnerável — que o fazia se encolher por dentro. "Não é pessoal, tá? Eu só… não confio fácil. Nunca confiei. E cada vez que tentei, só me fodi mais um pouco. Então, se eu pareço fechado ou defensivo, é porque sou." Se recostou levemente, cruzando os braços, um gesto que parecia distante mas era só proteção. Era o máximo de abertura que conseguia oferecer naquele momento — e, vindo de Matteo, já era muito. "Só… me dá tempo." E com isso, ele deixou a frase morrer ali, sem pressa, mas sem necessidade de prolongar. Helena tinha falado. Ele também. E por agora… era o suficiente.
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FLASHBACK ANTES DO BAILE
Helena manteve o olhar em Matteo sentindo-se estranha. Aquilo ali, aquela conversa esquisita, o muro dele tão bem levantado, tudo aquilo cutucava algo nela que normalmente preferia ignorar. Ela apoiou os cotovelos na mesa, os dedos entrelaçados como se estivesse se preparando para responder a uma coletiva de imprensa. Por fora, impecável. Por dentro, uma bagunça só. "Matteo…" o nome saiu mais baixo do que ela pretendia, quase com doçura, e por um momento ela não o confrontou, apenas respirou fundo afinal não queria discutir.. Ela só... queria ser compreendida. E talvez, no fundo, compreendê-lo também. "Eu não estou tentando demais porque quero te conquistar ou convencer você de alguma coisa. Eu só... Pensei: talvez essa maldição tenha sentido. Talvez ele seja alguém que vale a pena conhecer além do que os outros enxergam." Ela desviou os olhos por um segundo, encarando o próprio reflexo na colher ao lado da xícara. No movimento a volta deles. Até no movimento das garçonetes. "Você se sentiu encurralado. Eu entendo. Juro. Não vou te forçar a nada, Matteo. Nem amizade, nem confiança, nem conversa." Ela voltou a encara-lo, um tanto mais suaves por estarem realmente se falando e botando na mesa o que pensavam. "A gente não amou ninguém de verdade ainda. E talvez nunca ame. Mas eu vi acontecer, eu vi de perto o brilho nascer nos olhos de alguém... Por isso achei que a gente precisa parar fugir, tentar se conhecer..." Helena girou o anel no dedo, de novo. O gesto automático de alguém que sempre fingia ter tudo sob controle, ancorando-se na terra e não deixando a mente ir para onde não desejava. "Se eu te fiz sentir invadido... me desculpa. Não foi minha intenção, serio. Às vezes eu esqueço que as vezes posso ser um pouco demais..." ela deu um sorriso de canto. Tentando deixar as suas próprias muralhas caírem, afinal era cansativo demais tentar ser A Helena Sorrentino... " Eu só queria conversar, mas vou me controlar."
Não podia deixar de notar como ela havia ficado mais bonita. Mesmo na adolescência, Neslihan já atraia olhares — ao menos o seu olhar. Era um garoto magrelo e estranho com a única garota que era legal com ele, obviamente ele não era exatamente imune. E ela era bonita. Nada daquilo exatamente ajudava nas sessãos de estudo que tinha com ela. Os cabelos escuros estavam repuxados para trás num familiar rabo de cavalo, e ele se lembrava de como ela também puxava os cabelos para fora do rosto enquanto estava pensando. Quando era adolescente, ele era bem familiar com o perfil da mulher, espiando entre um exercício ou outro que não conseguia entender. Agora, não fazia questão de esconder que estava olhando diretamente para ela, afinal só haviam os dois naquela quadra.
"Nes," cumprimentou despojadamente. Apesar da distância entre eles, tanto física, quanto emocional, o apelido rolava dos seus lábios com facilidade e uma familiaridade estranhamente reconfortante. Não era exatamente como se soubesse o motivo deles terem se afastado. Não havia sentimento ruim da sua parte. Era apenas como se tivessem descobrido o quão diferente eles eram. Neslihan era muito boa para ele, no sentido que ela havia sido uma das poucas pessoas a ser gentil e amigável, de ter diversas vezes se colocado entre os tiros dados para ele. Ao mesmo tempo, ela era muito melhor que ele em tudo. Havia mais financeiramente, materialmente, emocionalmente, em seu raciocínio. Ele constantemente se sentia um completo desajustado ao redor dela. Era como se ela refletisse todas as coisas em que ele falhava miseravelmente. Ao mesmo tempo, ela não o fazia se sentir mal consigo mesmo. Não, Matteo fazia tudo aquilo dentro da sua própria mente, enquanto Nes não era nada além de agradável. Quando Matteo finalmente começou a não se sentir tanto o patinho feio... Ela já estava distante. Seu ego talvez tivesse ficado um pouco ferido de nunca poder ter mostrado seu outro lado, mas não havia ressentimentos da sua parte. Só não sabia se havia algum da parte dela, do motivo que poderia ter levado ao seu afastamento. "Não venho há algum tempo," falou, notando que não era exatamente a verdade e, junto dela, se sentia compelido a falar a verdade, mesmo que não viesse com naturalidade, "na verdade, não venho faz alguns anos." Sentiu o rosto aquecer levemente com o fato que as palavras rolavam com mais facilidade do que gostaria. O sentimento de familiaridade ao redor dela, como se tivessem estacionado no tempo. Talvez Matteo precisasse de passar algum tempo fora da academia e com um outro ser humano porque aquela carência para alguém que não lhe dava atenção num período de quase treze anos deveria ser deprimente.
"Aceito a companhia," ele disse, deixando a própria sacola cair próxima dela com a raquete também repousada no chão enquanto se curvava sobre as pernas num aquecimento rápido, "mesmo que já sabemos que vai ganhar, não é?" Suas habilidade com a raquete poderia ter melhorado, mas nada se comparava com todo o treino que ela havia tido durante anos. Para Matteo, aquele esporte era um passatempo na sua rotina que ainda o mantinha ativo, mas ele achava que era mais que aquilo para ela. "Como—como você está?" Perguntou de forma hesitante, mas inocente. Não queria pular para o assunto da maldição, da cachoeira, nem que havia visto ela com Camilo no restaurante. Ele queria ver se o senso de familiaridade que sentia era apenas coisa da sua imaginação ou se ainda existia alguma camaradagem entre eles.
antes mesmo que os primeiros raios solares rasgassem o véu da madrugada , neslihan já percorria o caminho até o pequeno complexo esportivo , a raquete equilibrada entre os dedos . o aroma fresco da grama recém aparada , meticulosamente ajustada aos padrões internacionais , impregnava seus sentidos , oferecendo um instante fugaz de alívio . mas nem mesmo aquele perfume familiar conseguia dissipar por completo a sensação de exaustão latente , o peso dos dias recentes transformando-a em um animal ferido , perdido na escuridão de uma floresta desconhecida . retirou o cardigã , sentindo o arrepio escalar-lhe os braços sob a brisa cortante da alvorada , após depositar a bolsa junto à rede — um ritual já automático — , com as raquetes extras . por vezes , dependendo do humor , estourava as cordas de poliamida com a força desmedida de seus golpes , como se o próprio equipamento carregasse consigo a frustração acumulada , então sempre trazia as excedentes . com os cabelos firmemente presos no alto da cabeça e os nervos tensionados , não desperdiçou tempo com aquecimentos triviais . a corrida ao redor da villa , antes de ceder à tentação de pegar o carro e dirigir até ali , fora mais do que suficiente para preparar os músculos . seu único objetivo era derrotar a máquina lançadora — um adversário silencioso , preciso e incansável . e assim , a mulher se perdia nos movimentos meticulosamente calculados , os golpes ressoando contra as cordas tensionadas da raquete , canalizando a exasperação que lhe queimava por dentro . o tempo se tornava irrelevante , a única certeza era o alívio sutil que se insinuava em seus ombros , a rigidez gradualmente cedendo enquanto sua mente se libertava das inquietações que , dia após dia , pareciam se entranhar mais fundo em seu consciente .
um sorriso despontou quando sua memória a transportou para o instante em que segurou uma raquete pela primeira vez — uma das muitas exigências paternas . dentre todas , talvez aquela fosse uma das poucas que ainda preservava com apreço , mesmo que , na época , as cordas fossem de tripa natural , um material que agora se recusava a sequer ponderar . o cenho se franziu ao recordar os treinos extenuantes , excessivos para uma criança sem qualquer ambição profissional no esporte , mas menos que a perfeição jamais fora aceito sob o teto dos şahverdi , então se tornou a norma . a respiração adquiriu uma cadência melancólica ao lembrar dos dias em que tinha companhia – uma companhia que ia além da miríade de treinadores cuja simples presença a fazia desejar nunca mais encará-los . matteo surgiu em sua mente como um relâmpago — um vestígio confuso em sua mente com a forma como tudo havia se desfeito , em meio ao caos infernal no qual ela era a personagem principal .
com o suor escorrendo por cada poro de sua pele , sacudiu as memórias com um último golpe certeiro na bola final lançada pela máquina . levando as mãos à cintura , puxou o ar límpido da manhã para dentro dos pulmões exaustos , contando mentalmente até dez . na última expiração , foi arrancada de seu momento de trégua por uma voz masculina . por um breve instante , sentiu a alma sair do corpo , como se sua própria lembrança tivesse evocado matteo em carne e osso à sua frente . com a destra pousada sobre o coração acelerado , inclinou levemente o quadril e esboçou um sorriso contido — um reflexo de algo reprimido há muito tempo , ou talvez apenas até o momento em que todos foram tragados pelo mistério que pairava sobre khadel como um véu espectral , quando sua rotina meticulosamente planejada começou a ruir . ❝ ei , teo . ❞ o apelido escapava com naturalidade , como se treze anos não tivessem se esgueirado entre eles sem quase nenhuma palavra trocada . enquanto caminhava até a bolsa deixada ao pé da rede , procurando pela garrafa d’água , seus olhos captaram um detalhe que fez o pequeno sorriso persistir , a raquete que pendia das mãos dele , os adesivos no cabo denunciando sua familiaridade . ❝ nunca te vi por aqui antes… mas suponho que nossos horários se diferem na maior parte dos dias . ❞ ergueu uma sobrancelha , indicando com o olhar o objeto desgastado entre os dedos masculinos . ❝ veio jogar sozinho ou aceita companhia ? ❞ a pergunta carregava o mesmo tom melancólico das lembranças que há pouco enevoaram seus pensamentos . ❝ eu poderia usar um adversário mais desafiador . ❞
Matteo decidiu ficar calado com o murmúrio. Parecia que nada que falava ou fazia em relação à Helena dava certo. Ele estava sempre errado de alguma forma — porque ele não dava abertura, ou não fez o comentário correto, ou olhou de forma enviesada. A luz filtrada pelas ervas penduradas parecia brincar com os contornos do rosto dela — e ele odiava que tivesse reparado nisso. “Se ela jogar água em mim, eu juro que levanto e vou embora. Espiritualidade tem limite.” Tentou manter o tom leve, mas o incômodo era difícil de disfarçar. Sentia a camisa colando nas costas por causa da umidade, e não era só suor físico. Era o peso do espelho, da imagem que o perseguia mesmo ali, mesmo com tudo coberto, borrado, envolto em incenso. Virou o rosto só o suficiente pra encará-la quando ela falou sobre escolher. “Se desse pra escolher isso, eu encomendava três litros,” murmurou, ultimamente ele precisava bastante disso. “Mas acho que coragem é o mais próximo,” fez uma pausa, “coragem é bom. Clareza também. Mas se tiver um item extra chamado ‘me deixar em paz’, eu levo esse.” Tentou brincar, mas a voz saiu mais baixa. Um fio de verdade passando ali. Ele cruzou os braços, desviando os olhos outra vez, como se pudesse se proteger só com isso. “Vamos escolher logo antes que ela volte com um galho de arruda.”
Aquela velha louca parecia que tinha enchido a cara de café, nunca em toda vida Helena tinha visto a mulher ser tão rápida quanto no momento que ela lhe escolheu junto com Matteo para aquela maluquice. Obviamente ela não iria ficar contra a curandeira, mas não deixou de arquear uma sobrancelha ao ouvir o comentário de Matteo, um sorrisinho enviesado se formando nos lábios enquanto o cheiro de lavanda e hortelã começava a envolver o ambiente "Nossa, que incentivo, hein?" murmurou baixinho de volta. " Aguentar um pouco? Matteo, amor, essa é a parte fácil. Da corda para ela para ver se não começa a jogar água em você pra te dar "clareza espiritual"… aí sim você vai ver o que é sofrimento." tentou brincar, mas a senhora pareceu ouvir. A parte boa é que ela só ignorou. O calor do ambiente, a umidade dos sprays de ervas e a iluminação suave provocavam nela uma sensação de estar dentro de um sonho que beirava o desconfortável. Ela deu uma olhada rápida para Matteo enquanto a curandeira começava a entoar as primeiras palavras da bênção, falando de equilíbrio, de reencontros espirituais, de almas que cruzam caminhos por um propósito. "A gente vai escolher o quê?" sussurrou, um pouco mais séria agora, virando-se na direção dele. "Não sei você, mas eu tô bem inclinada a escolher coragem. Ou talvez clareza. Ou sei lá... será que dá pra pedir uma mistura que inclua "parar de surtar"?"
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Deu um curto aceno de cabeça para indicar que não havia sido um grande problema. Matteo estava ciente, em primeira mão, em como aquela atenção era chata. Os olhares que o acompanhavam para todo lugar nunca foram tão intensos quanto agora e tinha a sensação sufocante que as pessoas colocavam mais esperança naquela história do que deveriam. Ele nem ao menos acreditava que aquele grupo de desajustados tinha poder de mudar alguma coisa. Porém, se não podia ajudar toda a população, ao menos pode ajudar, Christopher. O que ele deveria realmente agradecer é que elas não olharam ambos como dois pelo preço de um. Talvez a sua fama de rabugente estivesse sobressaíndo ao seu título de solteiro cobiçado. Ou talvez estivesse esperando que eles sutilmente estivesses num encontro. O que, para Matteo, era um pensamento ridicularmente cômico. A ideia de Christopher ser sua 'alma gêmea' parecia tão impossível quanto Camilo Ricci. Se ele acreditasse em um destino cósmico, eles provavelmente seria uma piada cósmica para todos. O que, além do local em que nasceram, tinham em comum? Ele olhou Christopher de cima a baixo ─ tudo bem, não o conhecia de verdade, mas entre sua amizade com aquele que era seu nêmesis, sua profissão e a sua cantoria pelos bares da cidade, Matteo não via nada em comum entre ele. "Aparentemente alguém começou um rumor que se você transar com um reencarnado, você consegue se apaixonar," respondeu meio sem emoção. Ouviam rumores diferentes sobre os reencarnados todos os dias. Os rumores em relação à maldição estava começando a sair do controle desde que Olivia anunciou para todo mundo em praça pública a confirmação deles. Não que ele já tivesse aceitado essa condição. Matteo não se colocaria naquele grupo tão cedo. A distoância entre eles é nítida, mas ele não estava desconfortável com o novo companheiro do dia. Talvez porque estivesse no único lugar onde se sentia verdadeiramente a vontade, talvez a cada dia que passasse se importasse menos com o status. A confusão mental que o dia na cachoeira trouxe parece menos assustadora a cada dia que passava. "A menos que você queira voltar para os urubus," ele disse, olhando por cima do ombro para as mulheres. Elas já tinham se dissipado, mas ele ainda pegou uma ou outra olhando furtivamente para o homem. Seu suspiro foi longo, mas não se pendeu muito nos outros. Não era comum para ele ter um companheiro, a menos quando estava treinando alguém especificamente. Não era exatamente o caso dele, mas não duvidava que a forma de Christopher em um exercício ou outro seria o suficiente para lhe irritar e fazer com que ele mostre o correto. "Você tem um plano?" Ele perguntou, ao menos para ele era óbvia a referência ao plano de exercício, ao que iria fazer na academia, ou ao menos qual músculo iria trabalhar. Se iriam enfrentar aquele dia juntos, tinham que ao menos estar nos aparelhos próximos.
Christopher estava longe de ser um exemplo de dedicação ao condicionamento físico. Fazia apenas o necessário para manter a estética dentro dos seus próprios padrões e, depois, agradecia silenciosamente ao universo por ter sido agraciado com uma boa genética. Diferente do prazer genuíno que sentia ao passar horas sozinho, dedilhando as teclas do piano ou as cordas do violão, a academia lhe causava uma sensação quase claustrofóbica — especialmente em dias lotados como aquele. O espaço tomado por corpos suados, aparelhos disputados e, pior ainda, a presença inevitável de indivíduos cuja relação com o desodorante parecia inexistente tornava tudo ainda mais desagradável. Ainda assim, fazia questão de ir um pouco além do mínimo. Confiava na sorte, mas nunca a ponto de depender apenas dela.
Naquele dia, Christopher se arrependeu de cada gota de combustível desperdiçada para chegar ali. Assim que cruzou a entrada, foi imediatamente cercado por uma enxurrada de pessoas, todas ávidas por respostas que ele não queria — ou simplesmente se recusava — a dar. Perguntas sobre a maldição, sobre quem ele achava ser sua suposta alma gêmea e uma infinidade de outras especulações ecoavam ao seu redor, tornando impossível fingir que não as ouvia. Foi então que uma voz masculina se destacou no meio do burburinho, chamando por ele. Ao virar-se na direção do som, Christopher avistou Matteo. "E aí, Matteo. Já estava achando que ia se atrasar no primeiro dia." Apesar da falta de proximidade entre eles, reconhecia o outro perfeitamente — não apenas pelas incontáveis vezes em que ouvira Camilo xingá-lo, mas também pela fatídica noite na cachoeira. Não tinha uma opinião formada sobre Matteo, mas, naquele momento específico, depois de ser salvo daquela multidão insuportável, o cara facilmente poderia ocupar o top cinco de sua lista de pessoas favoritas.
"Valeu por isso." Murmurou em um tom mais baixo assim que se afastaram do grupo. Ainda lançando um olhar discreto por cima do ombro, como se temesse que os curiosos voltassem à carga, Christopher fez uma careta antes de resmungar: "Por um momento, achei que era uma carcaça cercada por urubus." Endireitou a postura, tentando recuperar um ar de normalidade e evitar atrair mais atenção indesejada. Depois, voltou o olhar para Matteo, avaliando-o rapidamente antes de soltar, com um misto de simpatia e incerteza: "Isso quer dizer que o treino de hoje vai ser em dupla...?" O tom era amigável, mas a hesitação era perceptível. Afinal, não se conheciam de verdade, e Christopher ainda tentava decifrar qual seria a melhor maneira de lidar com ele.
com @sorrentinosmuse no banho de ervas aromáticas
Matteo se sentia atraído pelo evento de alguma forma. Talvez fosse relacionado a maldição que, agora, ele hesitantemente acreditava. Principalmente depois que ele foi até a cigana e agora ele não conseguiu mais se sentir confortável na sua pele ou olhar o seu reflexo no espelho. Talvez por acontecer na casa de Rose Von Bleicken, que ele se via voltando dia após dia. Talvez fosse porque ele não quisesse ficar dentro da própria casa, onde os espelhos estavam cuidadosamente cobertos. Ir na academia era uma pequena sessão de tortura, onde ele assistia o seu eu de quatorze anos levantando cento e quarenta kilos. Naquele evento, ele podia evitar tudo isso e cada dia parecia carregar uma nova surpresa para ele. Naquele dia, ele estava olhando os produtos à venda no L'Erbario di Gilda. Isso é — até Nonna Gilda aparecer com um som ultrasônico, "i miei amanti," ela disse, abrindo um braço para ele e outra para alguém atrás dele. Matteo olhou por cima do seu ombro, vendo a figura de Helena. Ele queria resmungar, audivelmente, mesmo que ele tenha até partido em bons termos com Helena. Ele não estava com disposição para a personalidade gigante dela. Mas parecia que eles estavam sendo arrastados já para dentro de algo que parecia uma tenda improvisada, com cheiros fortes. "A gente só tem que ser forte e aguentar um pouco," ele finalmente murmurou em direção a Helena.
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Matteo sustentou o olhar dela por um instante longo demais, os olhos escuros parecendo pesar cada palavra dita. A sinceridade de Scarlet não o surpreendia — ele sempre soube que, para ela, ele era pouco mais que uma lembrança apagada. Mesmo assim, alguma parte dele, pequena e teimosa, se encolheu diante da confirmação crua. Ele passou a língua pelos lábios, num gesto distraído, e soltou um suspiro baixo, quase um riso sem força. A mão subiu até a nuca, bagunçando os cabelos antes alinhados para o sermão. Matteo olhou para o chão, para as rachaduras no cimento, como se ali encontrasse a única resposta verdadeira.
Quando falou, a voz saiu rouca, arranhada pelas coisas que não dizia. "Não muda nada, Scarlet," deu de ombros, mas o movimento era mais pesado do que queria deixar transparecer. "Só achei… que talvez fosse menos insuportável. Pra todo mundo," ergueu o olhar de novo, a expressão cansada, mas havia uma ponta de desafio ali, algo quebrado e orgulhoso demais para se render completamente. Ele estava cansado de todos eles agindo uns contras os outros — não era como se ele quisesse estar naquela situação.
"E não, não tô esperançoso. Nem burro a esse ponto." A boca puxou um sorriso torto, sem humor. Ao contrário do que todos achavam, Matteo não era esse nível de burro — não confiava cegamente naquele grupo. Ele precisava fazer o que podia se quisesse chegar na verdade. "Bem, talvez seja melhor parar de tentar achar lógica nas coisas." Matteo enfiou as mãos nos bolsos da calça, balançando o corpo levemente para trás como se se preparasse para se afastar. Mas ficou parado ali, preso numa linha invisível que ele mesmo não conseguia atravessar.
Desde o acontecimento na caverna, Matteo não conseguia parar de pensar na maldição, na profecia, nos acontecimentos que o levaram até ali. Sua mente sempre foi inquieta e a enorme quantidade de perguntas e incertezas não ajudava em nada. Ao contrário dos outros, entretanto, ele achava que seria o que teria mais dificuldade em conseguir juntar os pontos, afinal, Matteo só conseguia ter resultados a partir de muita disciplina e ele não sabia se tinha disciplina suficiente para aquela coisa tão... estranha. Sempre foi metódico, ao ponto de ser superticioso. Se tinha um casting, precisava levar o rosário da sua mãe, porque carregou quando teve o seu primeiro grande trabalho. Se tinha uma competição, se alimentava exatamente da mesma forma no dia anterior, a fim de não arriscar passar mal. Ser uma das almas gêmeas não estava exatamente nos seus planos e ele não sabia se conseguia entender. Por que ele? Não seria algo que teria uma resposta. Uma pequena parte dele, entretanto, queria acreditar que tudo era verdade e, quem sabe assim, ele não podia realmente achar alguém que o quisesse além das aparências.
No seu horário habitual, religiosamente, Matteo entrou na Casa Comune para a única coisa que o trazia paz. Mesmo que tudo estivesse confuso e estranho, a sua rotina e, principalmente, a sua rotina de exercícios era a coisa que mais acalmava a mente inquieta de Matteo. Estava tão envolvido no seu set que não notou a aproximação de Olivia, que normalmente atraia olhares alheios por onde passava. "Ah," exclamou, sentido-se estúpido que aquela era a primeira palavra, ou som, que emitia para a ex-namorada em sete anos, "claro," disse se afastando um pouco do Smith Press. Ele molhou o lábio superior com a ponta da língua, como se o movimento pudesse, de repente, fazê-lo saber todas as palavras que deveriam ser ditas. Porém não sabia, ou não queria saber. Matteo nunca foi um homem de muitas palavras, mas se havia alguém que tivesse conhecido todas as palavras que ele tinha, aquele alguém era Olivia. Era o mais próximo que estivera de vulnarabilidade verdadeira. Uma das poucas amigas que tivera. Se é que poderia chamá-la de amiga quando foi tão fácil para ambos se desvincularem. Matteo agora via como ele havia sido estúpido. Um emoji confirmando o término era dificilmente uma atitude sensata, mas naquela época ele não conseguia lidar com o desconforto que as sensações lhe davam. Achou que o término seria para o melhor, mas sempre teve uma pontada de arrependimento de como as coisas acabaram. Se, por nada, Olivia não merecia o lado babaca que ele certamente podia apresentar. "É bom vê-la novamente," acabou dizendo apenas para preencher o silêncio, mas logo se sentido ainda mais idiota por que não fazia sentido; ele a via o tempo todo pela cidade, só não se falavam. "Então...?"
starter fechado para @thematteobianchi
casa comune (academia)
Há muito tempo que Olivia não era mais do tipo que passava dias refletindo sobre sentimentos. Gostava de agir, de tomar decisões rápidas e certeiras, sem se permitir devaneios desnecessários. Mas em alguns momentos afrouxava suas garras, como agora, quando após a revelação de ser uma das almas gêmeas, um nome em especial parecia insistir em permanecer em sua mente: Matteo. Ela não esperava sentir falta dele. Não daquela forma. Não apenas das conversas e da química fácil entre os dois, mas da sensação de serem um casal tão amado, da forma como os olhares se voltavam para eles quando entravam em um lugar juntos. Alguns os admiravam, outros os invejavam, mas, no fim, tudo se resumia a atenção – e Olivia sempre adorou estar no centro dela. Pensar nisso se tornou um hábito irritante, quase incontrolável, nos últimos dias, até o dia em que o dono do Il Giardino anunciou que ofereceria um jantar gratuito a todos eles, na mesma noite. A ideia era boa, uma ótima oportunidade para socializar e desfrutar de um evento requintado. Mas Olivia só conseguia pensar em uma coisa: queria ir com Matteo. A decisão se formou dentro dela como algo inevitável, e quando percebeu, já estava planejando como encontrá-lo. Sete anos haviam se passado, mas o ex-namorado continuava metódico como sempre – os horários dele na academia nunca mudavam. Ela não podia simplesmente mandar uma mensagem, não depois de tanto tempo. Não depois de, justamente, ter terminado a relação dessa forma.
Foi assim que, num fim de tarde, Olivia entrou na academia com roupas esportivas, ainda que não tivesse intenção nenhuma de se exercitar. Seu coração batia mais rápido do que gostaria de admitir enquanto seus olhos procuravam por ele. E lá estava Matteo. Sozinho, como sempre, focado e disciplinado. O alívio por não precisar lidar com plateia a fez soltar o ar que nem percebeu que estava prendendo; o que era incomum, visto que ela adorava ser vista. Liv caminhou até ele, sentindo um desconforto estranho crescer em seu peito. Não sabia por que estava tão nervosa – isso nunca acontecia. Desde que passara por todos os procedimentos que a transformaram na mulher que era agora, nunca mais havia se sentido assim ao falar com alguém. Mas ali, diante dele, sentiu como se tivesse voltado no tempo. Como se ainda fosse a Olivia “patinho feio”, hesitante, ansiosa, presa à insegurança que acreditava ter deixado para trás. Parou perto o suficiente para que ele notasse sua presença e pigarreou discretamente antes de falar. “ Oi, Teo. ” Foi um cumprimento sutil, quase tímido, e aquilo a irritou. Ela não deveria estar nervosa. Olivia respirou fundo, se forçando a continuar antes que perdesse a coragem. “ Sei que detesta interromper o treino para falar, e prometo não tomar muito do seu tempo, mas… será que podemos conversar rapidinho? ”
"Não," reiterou novamente, com pressa. Parecia uma péssima ideia para ele ter que explicar como ele ganhou aquele ferimento. O seu orgulho também estava um pouco ferido, pelo corte feito por um cara muito mais velho e menor, mas ele não sabia nem por onde começar a explicar o porque ele havia topado aquela ideia maluca quando foi proposta. Qualquer pessoa que olhasse o punhal podia ver que ele não valia muito. Não entendia nem ao menos o apego do homem aquele objeto. Tudo que Matteo podia sentir era uma energia estranha quando segurava o punhal. Matteo não podia estar com menos fome depois de todos os acontecidos. Haviam conseguido a adega, mas aquela história estava mais insana que necessário. Como alguém podia acreditar que eles precisavam arriscar suas vidas por uma maldição? Coisas como aquela não existiam. Mais ele não havia sido exatamente muito amigável com Helena (não que ele fosse com qualquer pessoa), e ela parecia dar o seu máximo para isso. Ele podia ser ao menos um pouco menos inflexível. "Pode ser," ele disse, forçando um sorriso com os lábios pressionados uns aos outros. "Eu posso dirigir agora," Matteo sugeriu, rezando silenciosamente para que Helena estivesse cansada ou abalada demais e concordasse com ele.
STARTER TO @thematteobianchi APÓS CONSEGUIR A ADAGA DE ROMENA
Todos aquela confusão com o velho maluco do antiquário tinha deixado Helena uma pinha de nervos, ainda estava sem acreditar que ele tinha realmente desejado lutar com um jovem o dobro do tamanho dele , pior, tinha o ferido! "Tem certeza que não quer ir no hospital?" perguntou novamente. Tinham passado na farmácia e comprado o que precisavam e feito o curativo, porém a preocupação da mulher era genuína. Sabendo que não tinha muito o que pudesse fazer a mulher soltou um suspiro pesado olhando em volta "Pelo menos vamos comer alguma coisa? Não sei você, mas to sem comer desde o café da manhã... O que? Achava que ia ser rapidinho com a Zafira"
Para Matteo, nunca havia sido fácil expressar seus sentimentos. Desde pequeno, lhe faltavam palavras; vocabulários extensos que permitiam que os mais intricados sentimentos pudessem ser externalizados. Quando era mais novo, a falta de habilidade com as palavras se transformavam em birra, mas a medida que cresceu, aquilo não podia mais acontecer. Ele já era estranho demais sem que os olhos ficassem molhados cada vez que sentisse raiva ou frustração. Além disso, era mais um motivo para as crianças pegarem no seu pé. Então, não importava o quão ruim fosse reprimir as emoções, era isso que Matteo precisava fazer. E, com o passar do tempo, ia sentindo cada vez menos, se desassociando dos seus próprios sentimentos, como um espectador, assistindo um personagem dissimulado se mover pela sua vida. Ele deu um sorriso e um suspiro. Olivia não sabia, obviamente que aquele personagem da rede social não era exatamente Matteo. Era quem ela havia conhecido. Ele não achava que toda a conexão que tiveram era falsa. Noites adrento conversando, mesmo que entre planos para as redes sociais de ambos, não haviam exatamente mentido um para o outro. E ele sabia que havia tido uma conexão maior que apenas a física. As palavras de Liv eram muito bem escolhidas, eram coisas que ele gostaria de escutar, mas talvez ele preferisse que ela se irritasse, gritasse. Qualquer coisa provavelmente era melhor que aquela empatia e compreensão, como eles não tivessem feito milhares de escolhas erradas, por começar da forma como terminaram, para então se evitarem por anos, mesmo morando na mesma cidade.
"Não.” A resposta monossilábica era tão característico da sua pessoa, mas para aquela conversa não iria funcionar. “Não, mas você assume que tudo o que a gente quer é o que deve ser feito." Não podia falar se aquele era um problema daquela conversa ou de Olivia em geral, mas as coisas não eram tão simples quanto querer. Adultos não podiam fazer simplesmente só o que queria. Apesar da infância difícil, Matteo ainda via Liv como uma das crianças ricas que sempre teve o que queria e, talvez, assim, não soubesse levar um não. Ele olhou para as mãos enlaçadas. O sentimento definitivamente não era ruim ou estranho, mesmo que ainda tivesse a sensação que estava assistindo as coisas acontecerem de fora do seu corpo. Era natural, talvez até demais, como as mãos deles ainda se encaixavam ou como o apelido não soava estranho na voz dela. Ele manteve os olhos baixos, encarando o ponto onde as mãos se encontravam e ele podia sentir o calor emanando de Olivia. "Você quer uma conversa sincera, mas você está andando em círculos, Liv,” Matteo apontou. Não num tom julgador, mas queria que fossem direto ao ponto ao invés de ficarem circulando o fato dele estar desconfortável como urubus ao redor dos cadáveres. "Já está estabelecido que existem milhares de lugares que eu preferiria estar do que aqui. Não por sua causa, mas nada nessa situação é onde eu gostaria de estar, então…” Falou com um tom definitivo, colocando um ponto final, ao menos naquela parte da conversa. Matteo não gostava e não se sentia confortável, isso não negava o fato de que ele sabia que aquela conversa era inevitável e importante, ele reconhecia isso. Ao invés de ficarem dançando ao redor disso, se fossem talvez direto aos acontecimentos, ele pudesse finalmente respirar em paz. “Eu não deveria ter respondido com um emoji, e eu não deveria ter simplesmente aceitado o término daquela forma.”
Olivia piscou, surpresa. Matteo raramente falava tanto, ainda mais daquele jeito, tão direto, tão... afiado. Por um instante, ela ficou em silêncio, absorvendo cada palavra, cada entonação, cada resquício de frustração reprimida. Ele sempre fora contido, sempre manteve uma barreira entre ele e o mundo, mas ali, agora, ele estava deixando que ela visse o que havia por trás. E, por mais que a princípio aquilo a pegasse desprevenida, não a assustava de verdade. Um sorrisinho surgiu no canto dos lábios de Olivia, esperando que ele colocasse para fora todas as palavras pesadas que refletiam seus sentimentos, para que pudesse falar. — Sim, é isso que eu queria ouvir. — Seu olhar encontrou o dele, e dessa vez não havia provocação, apenas uma franqueza que talvez fosse mais perigosa do que qualquer jogo que pudesse jogar. — Não exatamente que você está desconfortável, sinto muito por isso, mas queria te ouvir sendo sincero. Você raramente fala o que sente, e eu sempre apreciei as vezes em que fez. — Ela inclinou a cabeça levemente para o lado, estudando o rosto dele por alguns segundos, como se tentasse decifrar algo, antes de continuar. — Eu nunca precisei que você fingisse gostar das coisas por minha causa. Você nunca precisou se dobrar para me agradar. — Era verdade. O fato de ele ser bonito, atlético e iniciando a vida de celebridade virtual foi o suficiente para que ela visse potencial nos dois, mesmo que isso significasse que não teria atrás de si um homem obcecado por ela - algo que Olivia apreciava bastante. No entanto, foi preciso mais do que isso para que ela se mantivesse interessada, e, de alguma forma, ele havia conseguido.
— Não espero um pedido de desculpas, espero termos uma conversa franca. Mesmo que isso signifique que você vai apenas escutar e concordar com a cabeça. — Mas ela esperava que ele dissesse algo, qualquer coisa, mesmo que fossem aquelas palavras duras desde que fossem seus sentimentos reais. — Não me importo de você não ser um dos meus admiradores. Você me desafia, e eu até gosto disso. — Olivia sorriu de leve, sem ironia, sem malícia, apenas sorriu. Ela respirou fundo, e então, suavemente, deslizou sua mão pela mesa até tocar a dele, com cautela. Seus dedos encontraram os dele com uma leveza quase hesitante, mas ao mesmo tempo firme. Não era um pedido de desculpas nem uma tentativa de suavizar a tensão com um gesto romântico. Era apenas um lembrete de algo que Matteo parecia ter esquecido: o quanto os dois se combinavam, mesmo tão diferentes. — Eu sempre soube lidar com o seu desconforto, mio bello. — Usou o apelido da época em que eram namorados. Sua voz veio baixa, sem o desafio de antes, mas com uma clareza que não deixava espaço para dúvidas, e o olhar tão intenso encarando os dele que era possível ver com nitidez sua intenção de apenas... conversar. — Você acha que eu não sei que você odeia estar aqui? Que não percebo quando está desconfortável? Eu sempre percebi. Sempre. — Apertou um pouco mais a mão que segurava, como se o convidasse a sentir a sua honestidade. — Eu não quero que vá embora, Matteo. A questão é... você quer ficar? — Ele mesmo havia concordado que precisavam conversar, e havia tanto que ela gostaria de ouvir e dizer.
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THE LOFT
Talvez o mais surpreendente de tudo era o fato que Matteo ainda estava concordando com aquela loucura de encontros. O que mais ele deveria fazer quando alguém lhe convidava, e ele não precisaria gastar um tostão com tudo aquilo? Em outras condições, ele provavelmente soltaria um grunhido e falaria que aquilo era loucura. Ele não tinha nenhuma atração indiscritível por ninguém, não sentia nada além de uma leve irritação cada vez que os outros abriam a boca, e ninguém parecia bom o suficiente, porque ele não era bom o suficiente. Mas uma parte sua, aquela que sentia a necessidade de ser adorado pelos outros, não queria decepcionar a cidade que parecia estar segurando por um fio toda aquela história de almas gêmeas. Além disso, uma vozinha em sua mente também estava curioso. Sua mãe era uma prova viva do que a falta de amor poderia fazer e Matteo, a consequência.
Sabia que Helena havia voltado para Khadel, mas não eram exatamente amigos. Por isso o convite veio como surpresa para ele. Talvez tivesse sido a surpresa pelo qual ele não conseguiu dar sua resposta bruta usual. Eles haviam se conhecido no ensaio que catapultou Matteo para a existência do olhar público. Não faria mal tirar um tempo para reencontrá-la. O local escolhido havia sido o The Loft, e o karaôke improvisado definitivamente não seria a primeira opção dele, mas sentia que o oferecia uma saída quase graciosa e nada usual para Matteo, caso ele não tivesse mais assunto (o que provavelmente aconteceria mais rápido que imaginava). Não se ofereceu para buscá-la, mas sugeriu que se encontrasse no bar. Esperava encostado no bar até avistar a atriz, "Oi," disse, num tom que mais parecia um grunhido do que uma recepção normal. "Quer escolher uma mesa?"
( @khdpontos )
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