"Não," reiterou novamente, com pressa. Parecia uma péssima ideia para ele ter que explicar como ele ganhou aquele ferimento. O seu orgulho também estava um pouco ferido, pelo corte feito por um cara muito mais velho e menor, mas ele não sabia nem por onde começar a explicar o porque ele havia topado aquela ideia maluca quando foi proposta. Qualquer pessoa que olhasse o punhal podia ver que ele não valia muito. Não entendia nem ao menos o apego do homem aquele objeto. Tudo que Matteo podia sentir era uma energia estranha quando segurava o punhal. Matteo não podia estar com menos fome depois de todos os acontecidos. Haviam conseguido a adega, mas aquela história estava mais insana que necessário. Como alguém podia acreditar que eles precisavam arriscar suas vidas por uma maldição? Coisas como aquela não existiam. Mais ele não havia sido exatamente muito amigável com Helena (não que ele fosse com qualquer pessoa), e ela parecia dar o seu máximo para isso. Ele podia ser ao menos um pouco menos inflexível. "Pode ser," ele disse, forçando um sorriso com os lábios pressionados uns aos outros. "Eu posso dirigir agora," Matteo sugeriu, rezando silenciosamente para que Helena estivesse cansada ou abalada demais e concordasse com ele.
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Todos aquela confusão com o velho maluco do antiquário tinha deixado Helena uma pinha de nervos, ainda estava sem acreditar que ele tinha realmente desejado lutar com um jovem o dobro do tamanho dele , pior, tinha o ferido! "Tem certeza que não quer ir no hospital?" perguntou novamente. Tinham passado na farmácia e comprado o que precisavam e feito o curativo, porém a preocupação da mulher era genuína. Sabendo que não tinha muito o que pudesse fazer a mulher soltou um suspiro pesado olhando em volta "Pelo menos vamos comer alguma coisa? Não sei você, mas to sem comer desde o café da manhã... O que? Achava que ia ser rapidinho com a Zafira"
Matteo soltou uma risada sem graça, nasalada, "até parece." Matteo quase apontou que quem tinha aparecido na academia foi ele — território que era seu de costume. Ali... Como ele saberia que era Aleksander que estava naquela atividade? Era obviamente uma pegadinha de mal gosto. Ou alguém que acreditava demais naquela coisa de maldição e havia enlouquecido. Seria a maior ironia do destino Aleksander e ele serem almas gêmeas. Não, Matteo se corrigiu, não havia como serem. Era resoluto! Ele não era o James, afinal. "Claro, claro, deixe eu salvar o seu tempo — eu sou um brutamontes sem cérebro, que se veste igual a um mendigo e devia aprender a penter meu cabelo," falou e fez uma pausa antes de continuar, como se analisasse se a sua resposta estava correta, "ou algo nesse sentido."
Não poderiam ser mais diferentes. Matteo teria ficado mais que satisfeito em apenas sentar ali e esperar o tempo passar. Normalmente, preferia o silêncio confortável de estar com alguém que gostava, mas não se importava com o silêncio desconfortável. Na maioria das vezes era tudo o que ganhava de qualquer forma. A sugestão de Aleksander, cortando o silêncio, foi inesperada. Ele levantou o rosto, confusão escrita em suas feições e as sobrancelhas franzidas tão juntas "O que você sugere, Aleksander?" A falta de sarcasmo na voz do outro fez com que Matteo hesitasse em uma resposta implicante. Ele sempre considerou Aleksander um mauricinho que nunca teve um problema na vida, então nunca soube ouvir 'não'. O estopim claro foi quando ele ouviu um 'não' de Olivia, então ele culpou a única pessoa que não era do seu círculo, e assim Matteo se transformou no bode expiatório. Não que eles nunca tiveram problemas antes — Matteo nunca teve muitos amigos de qualquer forma. Porém, se Aleksander não estivesse agindo como habitual — agressivo e sarcástico —, como ele poderia dar uma resposta ríspida e dizer que era apenas uma reação as atitudes do outro? Matteo sempre achou que seria mais fácil se eles simplesmente se evitassem, agora ele preferia que Aleksander voltasse a chamá-lo de burro. Era muito mais fácil ter um motivo para achá-lo irritante do que observar a luminosidade parca das velas distribuídas pelo quarto refletir na pele do outro, como se dançassem. Balançou a cabeça, tentando dissipar aqueles pensamentos estranhos demais para sequer aparecerem.
Não conseguiu sustentar o olhar por muito tempo. Era confuso demais. Olhar para Aleksander trazia a tona questionamentos que ele havia preferido ignorar até então. Tinha racionalizado que nada teria acontecido se eles soubessem quem eram naquela noite. Não havia nenhuma chance que ele e Aleksander pudessem sequer se interessar um pelo outro fisicamente — o estilo do playboy era tão engomadinho e esnobe que Matteo... ele o quê? Não podia conceber que poderia gostar daquele estilo? Até a festa ele também não tinha certeza que tinha interesse no mesmo gênero. Qualquer um menos ele. Foi a única coisa que conseguia pensar depois. Não tinha problemas em admitir a nova sexualidade (ou a sexualidade que sempre teve e só não explorou), mas recusava a aceitar qualquer interesse em Aleksander. E, ainda assim, estava ali sentado pensando no beijo entre eles, nas mãos passeando pelo outro ('prefiro descobrir com as mãos', lembrava da maldita frase também), e na maldita sensação de formigamento em suas mãos naquele momento como se quisesse tocar novamente. Ele fechou as mãos em punhos, cravando as unhas nas palmas para que a sensação cedesse. "Você não pode está sugerindo a massagem," até porque se ele tivesse com as mãos ao redor do pescoço de Aleksander, podia ser perigoso — para os dois, porque ou ele mataria Aleksander, ou pior... "E eu não estou emburrado. Eu só —" tenho medo de chegar muito perto e fazer algo que eu me arrependa? Tenho medo de não ter autocontrole suficiente? Beijaria meu inimigo novamente aparentemente? Não tinha nada em sua mente que ele pudesse falar em voz alta, "—estou esperando o tempo passar."
Alek estava na sala, absorto em seus próprios pensamentos enquanto tentava entender o que exatamente estava acontecendo. Ele ainda não conseguia se livrar da sensação desconfortável que o acompanhava desde que entrou naquela experiência de autocuidado. O bilhete anônimo havia lhe dado a impressão de que ele se encontraria com Olivia, mas um convite vindo dela não fazia o menor sentido.
Foi quando a porta se abriu, e Matteo entrou. Alek piscou, estupefato, quase sem acreditar no que via. Sua reação inicial foi de total surpresa, seguida de um riso seco e incrédulo. "Só pode estar de sacanagem com a minha cara..." Alek murmurou para si mesmo, quase rindo da situação absurda. Ele olhou ao redor, como se procurasse uma câmera que iria anunciar a pegadinha a qualquer momento. "Você por acaso tá me perseguindo? Que porra é essa?" Queria sair imediatamente dali, mas quem quer que tenha tido a ideia genial de trazê-lo ali, estava comprometido a mantê-lo ali com aquela porta trancada.
Era óbvio para todos o desprezo que tinham um pelo outro, mas ser jogados juntos em um ambiente tão íntimo parecia cruel demais até para os padrões de Khadel. "Bom, também não sei o que passou na cabeça deles. Você é, definitivamente, o oposto do que eu esperava." Alek bufou, frustrado, sentindo que a situação só piorava. O que ele deveria fazer? Ficar ali, de braços cruzados, com cara fechada, esperando que alguém resolvesse libertá-los? Ele certamente não queria se render à imagem de coitado derrotado, como Matteo parecia estar fazendo.
Embora sua frustração fosse a emoção predominante, algo mais o distraía. Alek não pôde evitar roubar uma olhada para Matteo. Os braços fortes, o jeito como os músculos flexionavam diante a maneira que ele se postava — aquilo tudo foi uma distração inesperada que, de alguma forma, apaziguava sua raiva. A memória do que aconteceu no baile voltava à mente de Alek com mais frequência do que ele era capaz de admitir. E vez ou outra, ele se pegava brincando com a echarpe de seda, como se o toque do tecido quase pudesse fazer o momento voltar à tona. Ele sabia que havia dito a si mesmo que o souvenir era só uma provocação, mas a verdade era que, em algum lugar bem fundo, ele sabia que significava mais.
Com um suspiro pesado, Alek pigarreou, tentando afastar os pensamentos confusos. A raiva parecia ter dado lugar a uma vulnerabilidade que ele não queria admitir. "E então? Vamos ficar aqui, emburrados, durante a próxima hora? Ou tem alguma coisa melhor para fazer?" O tom não tinha a mesma agressividade e sarcasmo de sempre. Havia algo mais, algo que Alek não queria deixar claro, mas que se infiltrava em cada palavra, uma necessidade enterrada que se tornava impossível de ignorar naquele confinamento forçado.
Matteo manteve o sorriso no rosto, mas o peso das palavras de Alek cravou mais fundo do que ele queria admitir. As mãos se contraíram, inquietas, como se o corpo controlasse a vontade de bater em Aleks. Por fora, parecia apenas entediado; por dentro, era um campo minado. Cada provocação de Aleksander parecia saber exatamente onde acertar, onde a fachada começava a trincar. O comentário sobre as “lembrancinhas” lhe arrancou um riso breve, áspero, mas as unhas começavam a se fincar nas palmas, continuando a força descomunal que precisava para não acabar socando Aleksander. Ele só queria tirar uma reação sua, Matteo pensou, deixando aquele mantra ecoar em sua mente. Socar Aleksander só iria piorar as coisas. Matteo era bom em fingir — sempre foi —, mas era péssimo em lidar com aquilo que realmente queria ignorar. A raiva, a vergonha, o medo enraizado de ser mais transparente do que gostaria.
Sabia que Aleksander estava mentindo. Os boatos sobre ele não eram nada como os boatos sobre Aleksander — acreditavam que ele não tinha interesse em mulher — mas nunca que ele estava pegando todos por aí. Inclusive, era o contrário. Porém, Aleksander era tão cheio de si que não ia adiantar discutir. O melhor que ele podia fazer era ficar quieto. Não iria vencer Aleksander naquele jogo. Quando Alek girou nos calcanhares, Matteo acompanhou o movimento com os olhos, o maxilar travado, o peito subindo e descendo de forma irregular. A voz baixa e cortante reverberou como um estalo dentro dele, arrancando lembranças que Matteo preferia manter enterradas — memórias de uma noite que ainda não sabia como rotular sem se sentir ridículo.
Ele cruzou os braços, uma tentativa falha de se proteger, de manter distância, mas o olhar que lançou para Alek era ácido, impulsivo. Matteo odiava aquilo — odiava o quanto ainda se sentia exposto, mesmo sem dizer uma única palavra. O golpe seco contra o saco de pancadas o fez piscar, como se o som quebrasse o transe momentâneo. Matteo endireitou a postura, desenhando de volta o esboço de arrogância que usava como armadura. Só que dessa vez, a linha de tensão em sua mandíbula era impossível de ignorar. A echarpe. O segredo. “Mas só um diz nós saiu do seu caminho para provocar uma pessoa que supostamente você detesta não é mesmo?” Matteo finalmente rebateu, ríspido — Matteo podia não entender muito bem o que aconteceu naquela festa, mas ao menos ele não saiu do seu caminho para provocar alguém que ele não gosta, carregando o tecido da pessoa por aí. Ele não esperou uma resposta de Aleksander, indo embora.
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Alek soltou um riso seco diante da provocação. A maneira como Matteo batia palmas e o chamava de palhaço só confirmava o que ele já sabia — Matteo estava, no mínimo, irritado. E isso, para Alek, já era uma vitória por si só. "Palhaço, é?" Murmurou com um sorriso enviesado. "Bom.. Melhor ser palhaço do que um boneco de vitrine, não acha? Bonito por fora, oco por dentro e sempre tentando esconder a rachadura na base."
Quando Matteo comentou sobre a echarpe, Alek riu mais abertamente, como quem se diverte com a própria audácia. "Não precisa se incomodar com a cueca, Bianchi. Já ouvi boatos suficientes pra apostar que você anda distribuindo lembrancinhas por aí com muito mais frequência do que gosta de admitir." A fala veio com um ar quase casual, mas o olhar ainda era afiado. "A diferença é que a maioria das pessoas guarda essas histórias em segredo. Eu prefiro guardar em seda."
Ele deu as costas por um segundo, como se fosse encerrar a conversa, mas girou sob os calcanhares com a mesma elegância arrogante de sempre. Os olhos semicerrados, a voz mais baixa agora, afiada e cheia de veneno controlado. "E sabe, Matteo.. Você devia tomar cuidado com o que finge não sentir. Esses impulsos que você enterra com tanto afinco? Eles tem o péssimo hábito de florescer no escuro. Às vezes no meio da noite. Às vezes no meio da próxima dança." Voltou a pegar o saco de pancadas com as mãos enfaixadas, mas lançou um último olhar por cima do ombro, o sorriso torto e irônico de sempre, agora levemente mais sombrio. "E quanto ao que eu tô tentando provar? Absolutamente nada. É você quem ainda tá tentando entender o que fez naquela noite." Ele socou o saco com força, o som seco ecoando pela academia. "Mas relaxa, campeão. O segredo tá guardado. E a echarpe também."
Estóico. Era assim que Matteo poderia ser definido. Ao menos, pelo olhar externo. Ele se colocava acima de tudo, acima de todos, mas não de uma forma que ele era melhor que todos, apesar de certos burbirinhos agirem como se assim ele o fizesse. Era de uma forma que era indiferente à todos. Ele continuaria agindo como se nada pudesse atingí-lo, sem jamais dar o sabor que seus conterrâneos tinham na adolescência, onde podiam zombar e abusar dele sem que ele retornasse o favor. Nunca mais seria um alvo fácil de chacota. Ele puxou discretamente a gravata depois de verificar que não havia ninguém ao seu redor. Não sabia qual era o motivo do seu nervosismo, mas seu estômago parecia dar cambalhotas de desconforto. Não era como se fosse a primeira vez que saía com Olivia, ou um primeiro encontro, mas quase sentia o peso da expectativa da cidade sobre ele.
Observou ela se aproximar com toda a confiança que sabia muitas vezes que ela apenas fingia ter. Fake it until you make it, não era? Não que Olivia fosse a garotinha insegura de muitos anos atrás, mas ninguém era perfeito daquela forma, nem mesmo Liv. "Oi," retribuiu o cumprimento, deixando que ela falasse ao contentamento do seu coração. Sempre foi assim ─ Matteo na verdade achava perfeito que ela falasse o quanto quiser e enchesse o ambiente com seus assuntos, sem que ele se sentisse desconfortável por estar mais quieto.
Matteo tinha uma pergunta, mas uma pergunta que já sabia que não teria resposta: Olivia gostava dele ou da ideia dele ser a alma gêmea dela? Seria tudo só parte do teatro da vida perfeita que Olivia levava? Ele sabia que sua vida não era tão perfeita assim como ela gostava de ostentar nas rede sociais. Mas o quão longe ela estava disposta a ir para manter as aparências? Sua mente poderia estar a mil por hora, mas sua expressão sempre estaria o mais estóica possível. Era a única forma que ele havia descoberto de não deixar ninguém ver o que estava por baixo das aparências, de mostrar qualquer outro lado dele que não fosse da vaidade, do narcissismo, do egocentrismo. "Vamos," ele ofereceu um curto sorriso, sendo aquele gesto apenas porque estava naquele lugar com Olivia. Apesar da distância entre eles dos últimos anos, ainda podia sentir um mínimo de familiaridade e conforto entre eles. Havia um resquício da amizade que tinha, pelo menos acreditava naquilo. Talvez fosse apenas otimista sobre o tipo de relacionamento que tinham.
Fazia muito tempo que ele não tinha um encontro. Tinha visto sua mãe reclamar sobre encontros horríveis mais vezes do que gostaria, como filho, na sua infância. Ela gostava de culpar a maldição, esbravejando depois de abrir mais uma garrafa de vinho o quanto estava tudo perdido, mas talvez o denominador comum de todos os encontros ruins era ela. Mesmo assim, Matteo havia aprendido o que não fazer para o encontro ser no mínimo agradável — uma palavra tão insonssa para definir o encontro quanto qualquer sentimento que pudesse aflorar naquela cidade. "Você já veio aqui?" A sua tentativa de conversa fiada parecia tão ridícula quanto a sua presença naquele restaurante. Ele sentia que se sobressaia da multidão, assim como nunca se encaixou na cidade. Além disso, a pergunta era ridícula porque era Olivia Boscarino e ela era nascida para lugares como aquele, independente de como ela havia chegado ali.
Olivia respirou fundo ao se aproximar do restaurante. Seus saltos batiam com suavidade na calçada, mas o som parecia ecoar no silêncio da noite. Ela estava nervosa. E isso, para ela, era algo raro. A sensação de algo grande à sua frente, algo que ela não sabia exatamente o que seria, era ao mesmo tempo assustadora e excitante. Ela tinha ensaiado algumas vezes a forma como iria se comportar nesse encontro, mas agora, à medida que se aproximava dele, tudo parecia tão... errado. Como se ela estivesse prestes a fazer algo que não deveria. No fundo, Olivia sabia que o motivo desse encontro não era apenas uma reconciliação ou a busca por explicações. Não era sobre isso. Era sobre sentir o gosto do que nunca teve, ou o medo de que fosse tarde demais. O destino. A maldição. Tudo parecia uma grande brincadeira que ela ainda não conseguia compreender. E quando viu Matteo ali, tão rígido, tão formal com aquele terno, Olivia sentiu algo estranho se formar dentro de si. Ela conhecia aquele olhar. Aquele desconforto. Aquele jeito de se sentir desconectado de tudo ao seu redor. Ela riu baixinho consigo mesma. Matteo podia ser tão previsível, até quando tentava esconder isso.
Ao se aproximar, um arrepio percorreu sua espinha, mas ela não deixava transparecer. Caminhava com confiança, como se estivesse desfilando, com aquele vestido preto que marcava cada curva de seu corpo. Ela tentou se manter calma, mas, ao vê-lo ali, a imagem que ela ainda tinha dele, o cara metódico, o homem que não gostava de surpresas, se chocava com a versão que ela queria entender. Ele parecia não ter mudado muito. Ainda era aquele cara distante de sete anos atrás. Havia uma barreira, uma distância que ela não sabia muito bem como atravessar de novo. “ Oi, Matteo. ” ela disse, a voz saindo mais suave do que o esperado. O sorriso vacilante que ela tentou mostrar foi sincero, mas havia alguma tensão, algo que ela não conseguia controlar. E, no fundo, ela sabia que ele perceberia isso. Mas não podia negar o nervosismo. O desconforto. O peso do momento. Ela deu um pequeno passo à frente e parou diante dele, com um olhar fixo. Aquele gesto, aquele olhar sincero... ela queria que ele soubesse que estava ali por uma razão. Uma razão que ela não sabia explicar, mas que sentia. “ Desculpe o atraso. Eu sei que você... ” ela hesitou por um instante, olhando para ele de cima a baixo. “ Você nunca foi de perder tempo, né? Mas eu sempre gostei de uma grande entrada, você deve se lembrar. ” Ela sorriu, tentando quebrar o gelo, mas as palavras soaram ainda mais sinceras do que planejava. “ Você está bonito. Não que isso seja uma novidade, você sempre fica bem em um terno. ” Ela não sabia o que esperava daquela noite. Talvez uma conversa simples. Talvez um esclarecimento. Ou talvez fosse só mais uma tentativa frustrada de buscar algo que não estava mais lá. Mas algo em seu peito dizia que, pela primeira vez em muito tempo, ela não estava com medo de tentar. “ Imagino que todos os outros já estejam lá dentro. Então... vamos entrar? ” Ela esticou a mão em sua direção. Podia estar de peito aberto a um momento mais íntimo, mas ainda era Olivia Boscarino; ela teria sua grande entrada.
Débito cármico. Aquilo sim parecia mais provável que uma maldição de desamor, porque Matteo certamente estava pagando algum tipo de pecado. Imaginou que foi por todas as vezes que não prestou atenção à missa que sua mãe o levava, ou por aquela fez que viu um vídeo... Balançou a cabeça, espalhando os pensamentos. Matteo não deixou de notar a falta de resposta do outro, mas não se manteve no assunto. Sabia que não iria ganhar nenhuma resposta melhor tentando força-lo, porque ele mesmo não daria uma se estivesse no lugar de Aaron. "Não vai me dizer que está com ciúmes?" Rebateu rapidamente. Ele sabia que Aaron e Olivia haviam sido amigos quando criança, mas não sabia muito mais informações que aquilo. Não parecia ser um assunto que Olivia gostava de falar muito e ele nunca forçou. Não sabia qual havia sido o motivo, mas não era difícil pensar que Aaron poderia ter ficado... Amargo sobre o que perdeu. O julgamento não sairia dos seus lábios, mas ele não aceitaria que o outro forçasse qualquer que fosse o julgamento que ele estava fazendo na sua cabeça. "Você é apaixonado por ela ou algo assim? Eu não tenho nada com Olivia faz anos, cara." Sua vida era bem mais que Olivia. Na verdade, faziam anos que ele e Olivia não haviam mais nada, então não sabia o que despertava essa conclusão no outro. Ao contrário de Matteo, falavam que Aaron podia ser brilhante, mas talvez algumas coisas não podiam simplesmente serem ensinadas. "Alguns papéis importantes para mim voaram e foram carregados pelo fluxo do rio para lá." Ao contrário de Aaron, sua resposta era, ao menos, uma resposta de verdade, mesmo que não fosse completamente verdadeira. Ele não falaria o teor dos papéis, mas ao menos não tinha respondido com nada além de sarcasmo.
Aaron soltou um som baixo, algo entre um riso abafado e um suspiro de desdém. Girou o vinho na taça mais uma vez antes de responder. “Isso faz mais sentido,” disse, referindo-se à teoria de Matteo sobre assassinos e vítimas. “Pelo menos explicaria por que todo mundo parece tão obcecado uns pelos outros. Débito cármico ou algo assim.” Ele deixou o corpo relaxar na cadeira, inclinando levemente a cabeça ao ouvir a pergunta sobre a cachoeira. “Como todo mundo: péssimas decisões", mentiu. Levou a taça aos lábios, analisando o homem do outro lado da mesa enquanto refletia se dizia a verdade ou não. Blackwell não queria admitir que pensara ter sentido o cheio do bolo preparado por sua mãe na infância. Por algum motivo, acreditava que aquilo o deixaria...vulnerável demais. Seus olhos avaliavam Matteo com atenção, tentando entender o motivo da pergunta. “E você? O que te arrastou para lá?", estreitou os olhos, lembrando que ele tinha alguma relação com Olivia. Não tinha? "Não vai me dizer que foi por conta da Fuentes".
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igreja de khadel com @eusouscarlet
Matteo não ia há igreja todos os domingos, apenas em algums. Por insistência de sua mãe, aquele era um deles. Depois da festa das máscaras, talvez ele precisasse pedir perdão pelos seus pecados. Matteo nunca foi altamente religioso. Também nunca havia visto nada de errado em homens ficando com homens. Porém, nunca havia sido o caso com ele. E, como se a sua situação não pudesse piorar, um dos homens que ele havia beijado era a pior pessoa do mundo. Foi uma grande surpresa que Matteo havia sentado o sermão inteiro e não havia sido enviado direto para o inferno. Se não por ter ficado com homens, pelas mentiras envolvidas naquela situação. No fim do sermão, um rosto familiar surpreendente entrou em seu campo de visão, e pedindo licença para sua mãe, ele foi até a ruiva. "Pensei que você derretia entrando na igreja," disse, apesar da falta de intimidade entre eles. Depois de dois rituais e uma maldita maldição que os entrelaçava, talvez ele acreditasse que pudessem ser um pouco informais.
Não podia culpar Christopher por não querer se envolver com aquelas mulheres. Existiam maria-chuteira, maria-gasolina, e agora, infelizmente, parecia que podiam cunhar o termo maria-maldição. Não que ele esperasse que Christopher fosse alguém que gostasse da atenção o tempo todo, como seu melhor amigo (ou talvez fosse exatamente o que esperava dele). Já Matteo, que estava acostumado com a atenção que ganhava na cidade, estava cansado da nova onda de atenção. Antes a atenção ao menos fazia algum sentido. Fosse pelo seu corpo ou por sua falta de disponibilidade, ao menos era por algo que ele fez, e não uma coisa completamente alheia a ele. Mas estava aprendendo a ignorar, afinal era tudo que podia fazer. Já tinha que lidar com as demandas de Zafira e com a loucura que era uma daquelas pessoas serem "sua alma gêmea", ele não precisava adicionar nada para que sua cabeça estivesse pior do que quando tentava passar pelo ensino médio sem Neslihan para ajudá-lo.
“Eu faço luta,” ele disse distraidamente. Não que fosse o que ele iria fazer naquele dia, mas de certa forma havia se prendido ao outro rapaz, então o mínimo que podia fazer era alinhar o que fossem fazer, “mas não pulo a musculação.” Matteo sabia o que certas pessoas pensavam dele, mas naquele lugar ele não podia ser questionado sobre o que fazia. Seu hiperfoco com seu corpo havia se tornado indiscutível e essa era, possivelmente, a razão pelo qual ele havia aprendido sobre exercício físico e alimentação de forma certeira. "Prefere começar com costas ou braços?" Matteo perguntou, focando naquilo que podia controlar e sem sair muito do assunto de onde estavam. Afinal, se não fosse pela maldição, o que mais ele e Christopher teriam em comum?
Christopher pressionou os lábios ao ouvir a menção do rumor. Seria Camilo o responsável por espalhá-lo, ou teria sido obra das mulheres que festejaram com eles naquela noite? No fim das contas, pouco importava. Conhecendo os habitantes de Khadel, aquele boato ainda ecoaria por um longo tempo. Pelo menos agora, ele já poderia se preparar para situações como aquela. "Sempre tem um imbecil " murmurou, tentando disfarçar o fato de que tinha quase certeza de quem era o culpado. A fala seguinte o fez virar levemente a cabeça na direção do grupo que, instantes antes, quase o engolira vivo. Embora não estivessem mais o encarando descaradamente, ainda lançavam olhares furtivos em sua direção. Estariam imaginando que ele e seu companheiro estavam em um encontro? Se algo do tipo chegasse aos ouvidos de Camilo, Christopher já conseguia prever os xingamentos que receberia. "Ah, não. Vim buscar um pouco de força para matar meus leões do dia, não para trocar de animal" resmungou, franzindo o cenho antes de voltar o olhar para frente.
"Bom, eu treino luta aqui. Muay Thai, para ser mais exato" disse em um tom casual. "Normalmente, faço alguns exercícios antes do sparring." Com um leve movimento de cabeça, apontou na direção do ringue, onde duas duplas trocavam golpes em sequências bem ensaiadas. Os ecos dos impactos ressoavam pelo ginásio, misturando-se ao cheiro de suor e couro desgastado. As vezes era complicado refrear a vontade que tinha de sair passando desodorante das pessoas ali dentro. "Mas, pelo que estou vendo, meu mestre esqueceu de me avisar que não viria trabalhar hoje " acrescentou com um toque de sarcasmo, dando de ombros. Ele então voltou a encarar Matteo, estudando-o por um instante. O que ouvira de Camilo deixava claro que Matteo não era exatamente o cérebro mais afiado de Khadel, mas seu físico evidenciava que ali era possuía plena noção do que fazer, o que por sua vez fazia com que Christopher ficasse menos recesseoso ao segui-lo em um treino. " Você faz alguma luta também ou fica mais nos aparelhos? É parecido o suficiente para conseguirmos encaixar algo?"
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Matteo não sabia como tinha parado ali. O nome da atividade estava num quadro pendurado no ateliê de Artes, no terceiro andar. Leitura Labial – romântico e divertido! Com corações desenhados em giz rosa e glitter. Era um pouco demais para uma cidade que na teoria não podia sentir o amor. Suspirou fundo, cruzando os braços enquanto observava de longe a movimentação. As pessoas pareciam animadas demais pro gosto dele. Risadinhas, empurrões, gente encarando umas as outras com segundas intenções. Nada disso fazia sentido.
Matteo já estava virando para sair do caminho quando percebeu que, de alguma forma, tinha sido empurrado para participar. Literalmente. Alguém riu atrás dele. O empurrão não era figurado. Por algum motivo, ainda tinha gente demais olhando pra ele. Talvez fosse o corpo — que ele já tinha aprendido a controlar. Ou talvez fosse ela. Dava pra sentir no ar quem era o seu par na dinâmica, provavelmente também à contragosto. A presença dela tinha uma temperatura própria: quente e, ainda assim, gélida. Sempre que Scarlet estava por perto as coisas pareciam ficar… tensas. Não era o tipo de mulher que tentava ser simpática Ela, pelo menos, era honesta no desprezo. Ou talvez só gostasse de brincar com os nervos dos outros. O fone de ouvido foi colocado sem muita cerimônia. Música alta. Baixo vibrando no maxilar. Ele suspirou, ajeitando os fios atrás da nuca enquanto se perguntava por que, exatamente, ainda frequentava eventos comunitários de Khadel. A maldita cidade parecia sempre arranjar um jeito de colocá-lo em situações constrangedoras. Matteo não disse nada. Só encarou. A mandíbula tensa, o maxilar marcado pela raiva contida. Ele odiava esse tipo de situação — essas armadilhas sociais disfarçadas de brincadeira inocente.
O primeiro movimento de lábios aconteceu. Lento, teatral, debochado. Matteo franziu o cenho, tentando decifrar. A boca se mexeu como se soubesse que ele falharia. “Macarrão com leite?” arriscou, sem pensar muito no que de fato estava sendo dito.
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com @christopherd-amato no jogo dos 3 erros
Uma das poucas dinâmicas que dava para fazer sem um par, Matteo pegou o jogo dos 3 erros na primeira oportunidade que apareceu, tentando achar um tempo sem os infinitos questionamentos de todo mundo. Quando vocês vão se apaixonar? Quando a maldição vai ser quebrada? Quem é sua alma gêmea? Matteo estava sufocado. Preferia a atenção quando todos achavam que ele era um esnobe, burro, e que ninguém era bom o suficiente. Ao menos, não tinha relação ao fato de coisas fora do seu controle. Diferente do que parecia, Matteo não gostava da atenção. Não de verdade. Era uma reafirmação para o seu ego, que ainda se via como o menino desengonçado de quatorze anos, que cresceu demais e os membros não coordenavam com o restante dele, mas a atenção não lhe dava nenhum conforto. A rede social era um emprego, não sua vida real, e não podia ser mais bem administrada por pessoas competentes em transformá-lo em alguém interessante.
Estava concentrado no jogo — em que era relativamente bom, quando ouviu alguém falar: "Vocês tem prioridade em pares," a pessoa que auxiliava o patrocinador falou, trazendo uma pessoa para o seu lado. A frase já indicava que era um dos outros nove. Matteo quis rir quando olhou para o lado e viu Christopher. Claro que era — o público geral não sabia que eles não eram almas gêmeas, não poderiam ser, e Christopher fez questão de ficar gracejando com isso. Não que ele quisesse ser, mas qualquer cordialidade naquele grupo parecia passar distante. Ele se sentia de volta para o ensino médio com as crianças populares fazendo bullying. Não importava qual era o motivo — não era esperto o suficiente, não era bonito o suficiente, não era cordial o suficiente... Nada era suficiente. O problema nunca foi ele, eram os outros. Era tudo que eles podiam fazer para acabar com seu próprio desconforto. Só que Matteo nunca descobriu isso. "Tenta não me atrapalhar," Matteo murmurou, irritado que tinham acabado com a sua paz, "você pode pegar a próxima rodada."
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Matteo arqueou uma sobrancelha. Se aquele era o caso, se ela não se lembrava que ele existia, por que ela parecia se importar tanto com ele e sua opinião? Ou por que sequer estavam tendo aquela conversa? Ele sentia que o ponto de tudo havia passado por cima da sua cabeça e agora ele estava tentando montar um quebra-cabeça que as pessoas não se encaixavam. Matteo era do tipo que tinha uma quantidade muito limitada de atenção para dar, e agora ele só sentia que estava perdendo atenção desnecessariamente naquela conversa. "Eu não falei que você está forçando isso, falei?" Perguntou, falhando para ver onde ele tinha dito isso. Talvez Matteo fosse muito literal e não conseguisse fazer conclusões que não fossem muito óbvias, e talvez fosse isso que ela estivesse fazendo ─ tirando conclusões. Porém, as conclusões eram baseadas nas experiências de vida de cada um e, Matteo e Helena eram muito diferentes. Não esperava que eles teriam o mesmo ponto de vista. "O ponto todo de você acreditar nisso é que você está... tentando demais," Matteo se sentia sufocado. Será que ela não conseguia ver isso? Ele não era a pessoa que sentava e falava sobre milhões de assuntos por segundo, ou que abria seus sentimentos para qualquer pessoa. Tinham coisas que nem escrevia em seus diários. "E talvez você tenha razão, e ninguém seja inacessível, mas não necessariamente todo mundo tem o privilégio de acessar todo mundo, sabe?" A maioria das pessoas não conseguia ver quem era o Matteo de verdade ─ era assim que ele gostava, era assim que ele se sentia confortável. "E como você sabe disso? Nenhum de nós amou alguém." Havia escutado com atenção, mas não aguentou e comentou. Afinal, para ele não tinha uma maneira certa e uma errada, mas existia milhões de possibilidades de como eles poderiam se sentir ─ nenhum sentimento era realmente igual ao outr. "Você pode ler milhões de histórias de amor, e elas vão ser diferentes." Deu de ombros, pedindo um espresso. Ainda não tinha fome. "A forma em como você tentou me conhecer me deixa... me deixa encurralado. Eu não gosto de me sentir forçado. E foi assim que eu me senti." Ela não queria a verdade? Era essa a realidade. Para Matteo, talvez Helena fosse demais. Ou talvez eles apenas tivessem começado tudo com o pé errado. "Não tem pelo que você pedir desculpas," assim como ele não achava que precisava pedir desculpas. Eles apenas estavam sendo quem eles eram e ele preferia aquilo do quer ser forçado a ser legal. E, bem, se ela tivesse problema com isso, não tinha muito mais que ele poderia fazer.
FLASHBACK
Helena inclinou a cabeça, observando Matteo enquanto ele falava. Primeiro, ela arqueou uma sobrancelha. Depois, ela deixou escapar uma risada baixa, sem humor sair dos lábios incredula. "Devo me sentir honrada ou ofendida?" O olhar dela deslizou pelo rosto dele, avaliando. Matteo falava como se não tivesse um pingo de interesse, como se realmente não se importasse. Mas Helena já havia lidado com esse tipo de defesa antes. Afinal, ela mesma já tinha usado. “Bem, não posso dizer que não te entendo.” Sua voz saiu calma, sem qualquer traço de irritação. “Não somos próximos, nem nada, mas… sei lá.” Ela tentou encontrar as palavras certas. Não era uma garotinha implorando por atenção, mas também não era ingênua. Sabia que a chance de tê-lo ao seu lado, caso ambos escolhessem, existia.
Ela suspirou, apoiando o queixo na mão enquanto um sorriso discreto brincava em seus lábios. “Matteo, eu sou atriz. Vivo cercada por homens que acham que são a coisa mais inacessível do mundo. Sabe qual é a parte engraçada?” Seus olhos brilharam com uma pitada de provocação, mas ao mesmo tempo com uma sinceridade rara nos dias atuais. “Ninguém é completamente inacessível.” Ela se recostou na cadeira, cruzando as pernas com a elegância automática de alguém que passou anos sendo treinada para brilhar sob os holofotes. “Mas relaxa,” continuou, como se estivesse apenas comentando sobre o tempo. “Você realmente acha que eu estou tentando forçar alguma narrativa de alma gêmea? Eu mal te conheço. Honestamente? Até antes de tudo acontecer eu nem lembrava de você.” Seu tom não era cruel, apenas factual. Ela deu um leve dar de ombros antes de soltar um suspiro suave. “O amor não é mágico como nos filmes. Ele não acontece em um instante perfeito, com trilha sonora ao fundo.” Seus dedos deslizaram distraidamente pelo cardápio sobre a mesa. “O amor é uma construção. Uma escolha diária. Porque, no fim, se você não escolhe todo dia ficar com alguém, como diabos vai conseguir aturar essa pessoa? Eu quero poder escolher amar minha alma gêmea. Quero olhar para a pessoa e sentir orgulho, carinho, desejo de estar junto, de voltar de viagem e...” ela novamente suspirou desviando o olhar para o cardápio, ver o amor acontecer era lindo, mas nunca senti-lo? Isso a agoniava "Só queria poder te conhecer por trás de tudo isso que você criou... Mas entendo seu ponto. Desculpe por qualquer coisa"
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