Para Matteo, nunca havia sido fácil expressar seus sentimentos. Desde pequeno, lhe faltavam palavras; vocabulários extensos que permitiam que os mais intricados sentimentos pudessem ser externalizados. Quando era mais novo, a falta de habilidade com as palavras se transformavam em birra, mas a medida que cresceu, aquilo não podia mais acontecer. Ele já era estranho demais sem que os olhos ficassem molhados cada vez que sentisse raiva ou frustração. Além disso, era mais um motivo para as crianças pegarem no seu pé. Então, não importava o quão ruim fosse reprimir as emoções, era isso que Matteo precisava fazer. E, com o passar do tempo, ia sentindo cada vez menos, se desassociando dos seus próprios sentimentos, como um espectador, assistindo um personagem dissimulado se mover pela sua vida. Ele deu um sorriso e um suspiro. Olivia não sabia, obviamente que aquele personagem da rede social não era exatamente Matteo. Era quem ela havia conhecido. Ele não achava que toda a conexão que tiveram era falsa. Noites adrento conversando, mesmo que entre planos para as redes sociais de ambos, não haviam exatamente mentido um para o outro. E ele sabia que havia tido uma conexão maior que apenas a física. As palavras de Liv eram muito bem escolhidas, eram coisas que ele gostaria de escutar, mas talvez ele preferisse que ela se irritasse, gritasse. Qualquer coisa provavelmente era melhor que aquela empatia e compreensão, como eles não tivessem feito milhares de escolhas erradas, por começar da forma como terminaram, para então se evitarem por anos, mesmo morando na mesma cidade.
"Não.” A resposta monossilábica era tão característico da sua pessoa, mas para aquela conversa não iria funcionar. “Não, mas você assume que tudo o que a gente quer é o que deve ser feito." Não podia falar se aquele era um problema daquela conversa ou de Olivia em geral, mas as coisas não eram tão simples quanto querer. Adultos não podiam fazer simplesmente só o que queria. Apesar da infância difícil, Matteo ainda via Liv como uma das crianças ricas que sempre teve o que queria e, talvez, assim, não soubesse levar um não. Ele olhou para as mãos enlaçadas. O sentimento definitivamente não era ruim ou estranho, mesmo que ainda tivesse a sensação que estava assistindo as coisas acontecerem de fora do seu corpo. Era natural, talvez até demais, como as mãos deles ainda se encaixavam ou como o apelido não soava estranho na voz dela. Ele manteve os olhos baixos, encarando o ponto onde as mãos se encontravam e ele podia sentir o calor emanando de Olivia. "Você quer uma conversa sincera, mas você está andando em círculos, Liv,” Matteo apontou. Não num tom julgador, mas queria que fossem direto ao ponto ao invés de ficarem circulando o fato dele estar desconfortável como urubus ao redor dos cadáveres. "Já está estabelecido que existem milhares de lugares que eu preferiria estar do que aqui. Não por sua causa, mas nada nessa situação é onde eu gostaria de estar, então…” Falou com um tom definitivo, colocando um ponto final, ao menos naquela parte da conversa. Matteo não gostava e não se sentia confortável, isso não negava o fato de que ele sabia que aquela conversa era inevitável e importante, ele reconhecia isso. Ao invés de ficarem dançando ao redor disso, se fossem talvez direto aos acontecimentos, ele pudesse finalmente respirar em paz. “Eu não deveria ter respondido com um emoji, e eu não deveria ter simplesmente aceitado o término daquela forma.”
Olivia piscou, surpresa. Matteo raramente falava tanto, ainda mais daquele jeito, tão direto, tão... afiado. Por um instante, ela ficou em silêncio, absorvendo cada palavra, cada entonação, cada resquício de frustração reprimida. Ele sempre fora contido, sempre manteve uma barreira entre ele e o mundo, mas ali, agora, ele estava deixando que ela visse o que havia por trás. E, por mais que a princípio aquilo a pegasse desprevenida, não a assustava de verdade. Um sorrisinho surgiu no canto dos lábios de Olivia, esperando que ele colocasse para fora todas as palavras pesadas que refletiam seus sentimentos, para que pudesse falar. — Sim, é isso que eu queria ouvir. — Seu olhar encontrou o dele, e dessa vez não havia provocação, apenas uma franqueza que talvez fosse mais perigosa do que qualquer jogo que pudesse jogar. — Não exatamente que você está desconfortável, sinto muito por isso, mas queria te ouvir sendo sincero. Você raramente fala o que sente, e eu sempre apreciei as vezes em que fez. — Ela inclinou a cabeça levemente para o lado, estudando o rosto dele por alguns segundos, como se tentasse decifrar algo, antes de continuar. — Eu nunca precisei que você fingisse gostar das coisas por minha causa. Você nunca precisou se dobrar para me agradar. — Era verdade. O fato de ele ser bonito, atlético e iniciando a vida de celebridade virtual foi o suficiente para que ela visse potencial nos dois, mesmo que isso significasse que não teria atrás de si um homem obcecado por ela - algo que Olivia apreciava bastante. No entanto, foi preciso mais do que isso para que ela se mantivesse interessada, e, de alguma forma, ele havia conseguido.
— Não espero um pedido de desculpas, espero termos uma conversa franca. Mesmo que isso signifique que você vai apenas escutar e concordar com a cabeça. — Mas ela esperava que ele dissesse algo, qualquer coisa, mesmo que fossem aquelas palavras duras desde que fossem seus sentimentos reais. — Não me importo de você não ser um dos meus admiradores. Você me desafia, e eu até gosto disso. — Olivia sorriu de leve, sem ironia, sem malícia, apenas sorriu. Ela respirou fundo, e então, suavemente, deslizou sua mão pela mesa até tocar a dele, com cautela. Seus dedos encontraram os dele com uma leveza quase hesitante, mas ao mesmo tempo firme. Não era um pedido de desculpas nem uma tentativa de suavizar a tensão com um gesto romântico. Era apenas um lembrete de algo que Matteo parecia ter esquecido: o quanto os dois se combinavam, mesmo tão diferentes. — Eu sempre soube lidar com o seu desconforto, mio bello. — Usou o apelido da época em que eram namorados. Sua voz veio baixa, sem o desafio de antes, mas com uma clareza que não deixava espaço para dúvidas, e o olhar tão intenso encarando os dele que era possível ver com nitidez sua intenção de apenas... conversar. — Você acha que eu não sei que você odeia estar aqui? Que não percebo quando está desconfortável? Eu sempre percebi. Sempre. — Apertou um pouco mais a mão que segurava, como se o convidasse a sentir a sua honestidade. — Eu não quero que vá embora, Matteo. A questão é... você quer ficar? — Ele mesmo havia concordado que precisavam conversar, e havia tanto que ela gostaria de ouvir e dizer.
O fato de que havia aceitado um encontro deveria ter sido um motivo de fofoca, mesmo que a pessoa com quem ele havia aceitado o encontro fosse Helena Sorrentino. Matteo normalmente dava motivos para as pessoas fofocarem exatamente pelo número de encontros que ele não aceitava e o fato de que apenas a estrela de cinema havia sido suficiente para fazer com que ele mudasse de ideia certamente iria aumentar o conto de que ele achava que ninguém era bom o suficiente para ele. Ninguém podia ver as engrenagens da sua cabeça trabalhando arduamente para fazer sentido de toda aquela história.
E pouco fazia sentido.
Talvez se fosse mais sociável já teria tido as respostas que gostaria e poderia sair dali vitorioso, mas, no momento, ele arranhava o tampo da mesa distraidamente com uma das unhas para manter-lhe presente no encontro enquanto evitava ir muito a fundo na sua psique. Era claro que o encontro era desconfortável para ele, sempre numa posição de defesa, mas parecia inocente suficiente pelo olhar externo. A música, as pessoas, as péssimas vozes massacrando a música escolhida no karaokê... Não havia nada naquela situação que o fizesse mais confortável e sabia que não deixava as coisas mais fáceis para Helena. Mas uma das coisas que havia aprendido era a determinação de levar as coisas até o fim. E, assim, ele veria aquele encontro com Helena até o fim, por mais desastroso que acabasse sendo. As palavras dela lhe atingiram como um caminhão, já que ele nunca havia imaginado uma vida fora de Khadel e, agora, simplesmente ele era forçado a imaginar as coisas mais frutíferas e longínquas em um curto espaço de tempo. Matteo não sabia se estava disposto a vida que Helena poderia lhe dar, assim como ela bem decididamente não estava propensa a vida que ele tinha em mente. Ele poderia ganhar muito, mas tinha que estar aberto também a abrir mão de muito.
Ele franziu as sobrancelhas com leve confusão. Matteo não precisava que ela apontasse que a fama que cada um deles possuia era diferente. Mas a fama que ele possuía não era algo que ele desejou ou buscou. Um acidente do destino. Não podia necessariamente reclamar, afinal, era responsável por ele ter uma vida financeira mais estável que sua mãe jamais teve, porém sempre revirava os olhos com a atenção que recebia. E, particularmente em Khadel, Matteo recebia bastante atenção. Ele sempre quis ser incluído, ser tratado como um deles, mas mesmo com tudo que havia feito para se encaixar, não poderia se sentir mais deslocado. Tentou desviar do assunto inicial ─ gostava de música, definitivamente não iria cantar ─ e aproveitou o toque sutil dela para entrar no assunto que eles realmente deviam dar atenção. Tudo poderia mudar dependendo do que ela acreditasse. Se Helena realmente acreditasse na maldição, ela estava buscando encontros românticos e ele seria uma péssima escolha, ainda mais no Loft. Deveria ter chamado o Christoper! "Então você acredita que existe uma maldição?" Matteo levantou uma sobrancelha com a pergunta. Ainda estava descrente em relação ao status da maldição, mas estava definitivamente curioso com os acontecimentos recentes, e era aonda mais buscava respostas dos supostos encarnados.
As musicas de fundo e a movimentação das pessoas no local eram uma distração bem vinda para os mil pensamentos que passavam na cabeça de Helena. Já tinha falado com seus fãs e, com o pedido para que pudessem deixá-la aproveitar a noite como eles, ninguém realmente parecia notar o quão estranho era a relação do casal. A risada, porém, saiu dos lábios da negra que negou com a cabeça rapidamente para aquela pergunta "Eu posso estar gostando dessa calma, mas certeza que eu surto se ficar mais do que algumas semanas nesse lugar." respondeu leve encostando o corpo na cadeira brincando com o canudo da bebida despretensiosamente. Sua mente vagava em alguma forma de quebrar o gelo sem ficar parecendo uma esnobe ou uma idiota. Normalmente as pessoas vinham super animadas e interessadas em conversar consigo, então o jeito mais retraído do homem a deixava desconcertada. Só que tinha se proposto fazer dar certo "Sem querer desvalorizar seu trabalho, mas essa fama de Instagram é bem diferente do que eu vivo. Isso aqui..." ela fez um sinal para o bar inteiro como se pudesse sinalizar a situação que estavam "Não aconteceria onde moro. Estar entre os civis sem uma câmera apontada para mim, sem o furor dos fãs... Ou pelo menos não sem pagar o dono do restaurante." ela deu um suspiro saudoso, mas acabou por dar uma risada discreta negando com a cabeça. Amava aquela vida. Não lhe custava atender o publico, tirar fotos, gravar textos... Na verdade ela amava como valorizavam seu trabalho, então gostava ainda mais quando os olhos voltavam para si. Ela até ia oferecer o gostinho de sua vida, talvez um story no instagram, na esperança de abrir um pouco mais aquelas barreiras, mas achou que seria pretencioso demais querer comprar alguém assim na cara dura "Gosta de musica? Digo, estamos num karaokê... Seria um belo fora se tivessem te botado aqui contra vontade. Não sei os critérios que estão usando para decidirem quais são os melhores lugares... Mas temos que convir que não tamo sabendo é de nada com esse lance da quebra da maldição..."
Ele balançou a cabeça, esboçando pela primeira vez naquele encontro um pequeno sorriso. A ideia de que a maldição existia, para Matteo, era juvenil e uma forma de se eximir da responsabilidade que um relacionamento tinha. Haviam diversos casais casados em Khadel. Estavam todos eles fingindo? Era tudo uma ilusão? E por que as pessoas participariam daquele surto coletivo? Para ele, o fato dele, ou pelo menos aqueles ao seu redor que reclamavam da falta de amor, era o que acontecia naquela geração. As redes sociais criavam expectativas irreais, as pessoas estavam distantes, não se conectavam, e ninguém queria se dar o trabalho ou ceder. No seu caso, Matteo simplesmente não queria se dar o trabalho. Não negaria a existência do asco, mas como ele via era apenas uma resistência para as pessoas realmente se aprofundarem umas as outras. Era o seu cérebro dizendo que não valia a pena e, por isso, era muito fácil virar as costas. "E quais são exatamente os efeitos dela?" Perguntou com certa curiosidade, porque ela devia enxergar algo além do que ele via. Era quase engraçado como as percepções das pessoas eram diferentes, porque se ela parecia envergonhada falando, a descrença de Matteo era quase palpável. Ele não precisava de desculpas para o seu comportamento. Não precisava explicar a sua falta de amor. Já havia aceitado o seu destino e percebido que as pessoas não faziam por se merecer, então era tão mais fácil estar sozinho. Não se consideraria egoísta em outras situações, menos no 'amor' (ou falta dele). "Eu não acredito que a gente não ame por causa de uma maldição, Helena." Por mais que não compartilhasse a mesma visão da Helena, ele não queria minimizar a experiência dela. As pessoas podiam acreditar no que quisessem. Não se sentiria bem se ela virasse e o considerasse um idiota porque ele não acreditava naquela história.
"Você já tentou, Helena? Mas tentou de verdade?" Porque Matt podia dizer que ele não havia tentado tanto assim. Ao primeiro vestígio de algo, Olivia se afastou e Matteo não fez questão de tentar nada que pudesse os manter juntos. Ao seus olhos, aquele era o motivo de não amarem, não uma maldição. Se todos desistissem tão fácil quanto ele, ninguém poderia passar das suas próprias barreira para o amor.
Por mais que fosse algo tão natural quanto respirar, Helena não queria dar a impressão de que ostentava um rei na barriga por sua fama ou se vangloriava do que havia conquistado. Em Khadel, ou melhor, naquele encontro, ela queria ser apenas a Lena: a mulher determinada, divertida, capaz de conquistar a simpatia de qualquer um, e não a atriz famosa, com ares de soberba, que havia sido criada ao longo dos anos. No entanto, o rapaz à sua frente não parecia colaborar muito para tornar a noite agradável, afastando cada vez mais a ideia de que ele pudesse ser sua alma gêmea.
"Bem, eu sempre senti os efeitos dela, então não tenho como desacreditar..." admitiu, um pouco envergonhada por estar compartilhando aquilo. Não era algo que gostava de relembrar e muito menos de falar. Eram anos de desamor que tinham deixado cicatrizes, tanto que só de lembrar do gosto amargo das despedidas ainda permanecia nos lábios. Não era perfeito sumir antes que pudesse sentir mais do que amizade ou carinho, mas era uma forma de se proteger e uma forma de mostrar o afeto genuíno, afinal não gostava de guardar sentimentos ruins por aqueles que gostava. "Você não acredita? Digo, porque se isso for real a gente pode, não sei, voltar a amar!" continuou um tanto animada mudando de posição para ficar um pouco mais inclinada em direção ao rapaz
Nos olhos dela tinha um brilho de esperança que chegava a ser triste de ver. Porque nada tinha lhe dado a certeza que daria certo, mas ainda assim a fé que tinha crescia e dava a ela uma força para tentar "Vivemos uma vida incompleta Matt, se eu puder sentir nem que seja um gostinho do que eu vejo nas telas..." por um momento ela parou no lugar olhando em volta antes de suspirar e voltar a se encostar na cadeira "Sei lá, acho que todos merecem mais do que isso." Eu mereço mais que isso.
Foram sete anos. Matteo gostaria de pensar que ele não era a mesma pessoa que sete anos atrás, mas a sua mente ultra focada em um único objetivo poderia ter deixado ele tão alheio em outros assuntos, e assim não tendo evoluído tanto quanto imaginava ou gostaria. Não podia julgar todos que o consideravam um grande obtuso, porque se fosse honesto consigo mesmo, parecia que a única coisa aonde ele realmente fazia um progresso tangível era no tamanho do seu bíceps. Mas faria alguma diferença? Se desse abertura ou não as pessoas ao seu redor, tudo acabaria da mesma forma. Exatamente daquela forma em que se encontravam, reconectando após anos de um momento decisivo. Ao menos, como lidava com tudo aquilo lhe poupava da vergonha que estava sentindo naquele momento. Não parecia ter sido a intenção, mas não sentiu que a alfinetada havia sido menos mordaz pela falta de intenção. Às vezes as palavras poderia doer mesmo quando bem intencionadas, ainda mais quando eram verdadeiras. Afastar Olivia havia sido uma intenção deliberada, mas ao mesmo tempo um reflexo automático do sentimento de repulsa interno. Como ela, ele também não soube lidar com aquilo. Ousaria dizer que se sentisse aquilo naquele momento, continuaria sem saber lidar. Talvez não se escondesse, mas talvez sua resposta seria tão rudimentar quanto dava para todas as outras pessoas. Talvez se ele conseguisse tratá-la como qualquer outra pessoa seu desconforto seria apaziguado, afinal, Matteo não se importava com os outros. Mas se importava com Liv. "É..." Concordou, levando uma mão para trás da nuca num gesto de desconforto. Aquela conversa era certamente mais esmagadora que todos os cem kilos que podia levantar em um agachamento. As palavras que estavam engasgadas em sua garganta teimavam em não sair. Nunca havia sido bom com as palavras. "Eu também deveria ter ido conversar com você," Matteo não conseguia perceber se o som meio entrecortado era apenas um figmento da sua imaginação, que não conseguia consciliar com as palavras que saiam da sua boca ou se realmente soava esganiçado porque não acreditava que estava falando aquilo. Ou ainda pior, não conseguia falar aquelas palavras com facilidade. Nunca foi o seu forte. "Você acredita naquilo?" Matteo perguntou incisivamente, mesmo que deixasse o significado pairar entre eles. Falar exatamente sobre o que se referia talvez deixasse as coisas reais demais. Porém, deveria ser esse o motivo para que ela depois de tanto tempo voltasse a sua atmosfera, não era? Olivia e Matteo eram quase como água e óleo, mesmo que o feed curado do instagram pudesse fazê-los parecer almas gêmeas e as aparências físicas fosse significantes, eles eram muito diferentes. Ela era aberta e espontânea, poderia até ser uma fachada, mas Liv gostava da atenção. Enquanto para Matteo, a atenção era quase um fardo. Ele tinha que manter o interesse alheio para o seu próprio bem financeiro, mas como os outros testavam sua paciência. Mesmo com as suas respostas ríspidas ele não conseguia paz. Apesar de opostos, isso não queria dizer que não pudessem... ser algo. O que quer que aquele algo fosse. Ou foram. Ainda não sabia bem definir. Tudo havia sido infinitamente mais fácil quando eram um acordo de benefício mútuo.
Observou o gesto de Matteo – sempre no controle, sempre metódico. Mas agora, a Olivia que se encontrava diante dele não era mais a mesma, e ela sentia uma estranha mistura de nostalgia e frustração ao encará-lo. Ele continuava com a sua aparência imutável, mas havia algo nos seus olhos que ela reconhecia: o desconforto, a sensação de que ele estava tentando se esconder de alguma coisa, ou de alguém – neste caso, dela. Ela se forçou a desviar o olhar por um instante. Precisava encontrar palavras, mas elas estavam presas em sua garganta. O simples “é bom vê-la novamente” a atingiu de forma inesperada. Aquilo parecia tão... vazio. Por um momento, Olivia quase quis revidar. Dizer algo frio, como fazia com os outros, mas uma parte dela queria que fosse diferente agora. E ela pensou se ele estava esperando por isso. Olhou para ele novamente, com mais intensidade, buscando alguma resposta nas expressões contidas dele. “Então...?” Ele tentava puxar a conversa, mas parecia distante, desconectado, e isso a incomodava. Ela respirou fundo. “ Eu sei que não fui fácil de lidar. ” disse ela, as palavras saindo mais suaves do que imaginara, a voz baixa torcendo para que apenas ele pudesse ouvi-la. “ Aquela coisa toda, a mensagem fria e impessoal, o término... Eu deveria ter sido mais honesta com você. ” Não que ele tenha sido, também, ela pensou. Sentiu o peso das palavras, como se um peso tivesse sido tirado de seu peito. “ Acho que ambos fomos imaturos naquela época. Fui impulsiva, não pensei nas consequências, e você... foi distante, como sempre. ” Olivia baixou os olhos por um momento, observando os próprios dedos se entrelaçarem entre si. Um ato de nervosismo que não era comum vê-la reproduzindo, sempre tão autêntica e confiante. Não queria que sua vulnerabilidade transparecesse demais, então ergueu o rosto novamente. “ Eu sei que não foi certo, mas acredite, naquela época, eu não sabia o que fazer. Não sabia como lidar com tudo o que estava acontecendo dentro de mim. ” Ainda soava enigmática, incerta se deveria se abrir tanto com ele, ali em público, na primeira conversa, sem sequer saber se ele sentia o mesmo arrependimento por suas ações. Dessa vez, o seu olhar era firme, como a Olivia cheia de si que todos conheciam. “ Eu só queria que você soubesse que... eu lamento. Lamento como terminei tudo, lamento como agi. Eu não deveria ter feito aquilo, nem daquela forma. ” Havia uma sinceridade em suas palavras, um lado dela que não costumava deixar transparecer. E, céus, como ela torcia para que ele dissesse algo semelhante. Que também se arrependia de como respondeu àquela mensagem, que concordava que o término foi abrupto e, quem sabe, os dois não merecessem uma segunda chance.
A hostess se aproximou da mesa com um homem que definitivamente não era quem ele esperava e estava pronto para contradizer, mas a expressão resoluta da mulher e as palavras que se succederam do homem deixou claro que ele estava onde deveria estar, por mais confuso que fosse. "Encontro?" Matteo repetiu sem entender o que estava acontecendo. Ele achou que iria encontrar o próprio amigo. Será que tinha entendido tudo errado? Óbvio que Nico estava achando graça em toda essa coisa de alma gêmea e tinha que fazer algo cômico, as suas custas. E óbvio que ele iria colocar Matteo com... Aaron? Lembrava vagamente do outro na cachoeira, mas nunca tiveram muito contato antes. A cidade é pequena e, em certo nível, todo mundo se conhece, mas além do nome e de onde o homem trabalhava, seu conhecimento sobre o outro acabava ali. Ao menos, o fato dele não saber nada sobre Aaron fazia ele ser mais provável de ser sua alma gêmea, pelo benefício da dúvida. Ainda confuso com as circunstâncias, Nico deveria ter dito as palavras de uma forma que o deixasse confuso porque saberia que se ele tivesse sugerido um encontro às cegas, Matteo jamais teria aceitado. A sua vida amorosa não era tão humilhante assim. Ele poderia ter quase todo mundo que quisesse, o problema era querer. Não era como se esperasse exatamente um grande romance, nem nada desse gênero, mas Matteo achava que não tinha tempo a perder em relacionamento vazios. Se não tinha um mínimo de excitação nesses relacionamentos, porque perderia seu tempo dando atenção para outra pessoa quanto ele mesmo precisava do seu foco total. "Matteo," disse, pegando a mão do homem e cumprimentando brevemente. Parte dele gostaria de correr, deixar todo o encontro para trás, mas toda a história de maldição o estava deixando curioso. E também estava curioso para saber o que aqueles que estavam envolvidos também achavam. "Por que eu saio no lucro? Você é uma ótima alma gêmea ou algo do tipo?" Perguntou, apertando os lábios num rápido sorriso entretido enquanto se sentava na cadeira em frente e pedia uma água com limão.
Aaron ergueu os olhos do cardápio assim que ouviu passos se aproximando. Ele já estava considerando que teria que sair dali em mais alguns minutos, só para poder dizer que tentou. Mas, ao ver quem a hostess estava guiando alguém até a sua mesa, arqueou uma sobrancelha. "Hm...Você definitivamente não é o que eu esperava." Blackwell acabou murmurando sem querer. Quando aceitou ir a um encontro às cegas no lugar de Nico Cagni — depois de perder uma aposta — jamais pensou que seu date pudesse ser um homem. Fechou o cardápio com calma e o apoiou sobre a mesa, inclinando-se ligeiramente para frente enquanto estudava o outro. Por fim, quando viu a atendente se afastar, decidiu se levantar, estendendo a mão na direção do moreno. "Aaron Blackwell, prazer". Indicando a cadeira vazia em sua frente, como um convite ao que quer que fosse aquilo, Aaron voltou a se sentar. "Sei que não sou o que você estava esperando, mas Nico não podia vir a esse encontro e pediu que eu viesse em seu lugar. Normalmente eu não faço esse tipo de coisa, mas...", deu de ombros. "Tinha uma dívida para pagar". E existem formas piores de pagar do que ir para um encontro. "Bom, já que estamos aqui, podemos pelo menos pedir algo. O vinho e a comida já estão pagos por Cagni, e eu definitivamente não vou recusar um jantar decente." Levantou um pouco a taça que já tinha em mãos e lançou um olhar divertido para o rapaz, que parecia confuso. "Bom, e considerando as opções, acho que você saiu no lucro."
Uma história como aquela, de vidas passadas desejando se reencontrar em reencarnações desmemoriadas, poderia ser uma perfeita história de filme. Talvez pelo cachê certo, Helena até aceitasse participar, parecia ser interessante a ideia de encontrar alguém predestinado a estar ao seu lado, alguém que lhe permitisse descobrir o que verdadeiramente era o amor.. Mas, ali estava ela, envolvida até os ossos, sem ganhar um centavo por isso. A ideia de que poder, porém, aquele pedido de Zafira despertou a curiosidade e a ânsia de descobrir de vez o que era o amor lhe fazia disposta a ajudar, muito mais do que descobrir o seu ‘grande amor’. Matteo, por outro lado, não tinha qualquer interesse em chamar aquela história como sua. A atenção que recebia já lhe era inconveniente sem que os rumores inventados pela população de Khadel se intrometessem nos seus dias sobre a maldição dos apaixonados. Não queria ser uma daquelas pessoas, mas a curiosidade lhe era maior do que sua falta de intenção em ser um participante ativo daquela situação, então ele se viu no encontro com Zafira e o grupo mais heterogêneo que poderia imaginar.
Tudo parecia uma burocracia demais com aquele aplicativo — que com certeza estava com um bug gigantesco por colocar Helena com a pessoa mais calada do grupo, Matteo — mas na cabeça da atriz as coisas eram tão mais simples. Não precisava gostar um do outro para realizar uma missão, até porque quantas vezes filmou obras de arte com pessoas que desprezava? “Um punhal? Não podia ser algo mais normal?” Perguntou retoricamente a Matteo parando ao seu lado para terminar de ouvir as instruções. A negra cruzou os braços, ponderando como poderiam fazer aquilo acontecer, afinal o antiquário era na cidade vizinha… Ela deu um longo suspiro virando o calcanhar para ficar de frente ao gigante. “Consegue descobrir onde é? Eu dou um jeito no transporte… Não vai ser um helicóptero mas acho que daria conta. Bora rápido moço.” Helena teria que cobrar alguns favores? Talvez, mas logo pegou o telefone e começou a digitar a procura de alguém que pudesse lhe ajudar.
Matteo não podia deixar de se questionar o que se passava na cabeça de Helena. Será que ela se via realmente tão acima e distante dos outros ou será que ela estava brincando? Não conseguia realmente decidir, mas não iriam ganhar nada arrumando encrenca naquele momento. Ele puxou o seu celular e começou a digitar as únicas coisas que podia ‘punhal + antiquário’ e procurar em qualquer um que fosse ao redor de Khadel. Ele deveria ter desafiado Helena a achar aquilo, afinal com todas as conexões que ela tinha, aquilo poderia ser bem mais rápido, mas depois de um longo suspiro, ele se manteve atento a qualquer possível sinal na sua tela de que estavam indo na direção correta. Foi no site de um antiquário em Siena que ele achou a coisa mais similar possível. Zafira não os havia ajudado tanto assim. Quem diria que a conexão com os espíritos não lhe dava coordenadas para o GPS? “Helena, eu acho que é esse aqui,” ele disse, mostrando a foto de um punhal numa redoma de vidro no site do antiquário Galleria Novecento.
Não demorou vinte minutos após Helena concluir uma ligação que um rapaz dirigindo um conversível apareceu na frente da loja. Matteo franziu a testa observando o conversível se aproximar. ‘Não tinha nada mais chamativo?’ Era o que se passava pela cabeça dele. Com seu famoso sorriso, Helena dispensou o homem que havia trazido o conversível e entrou no motorista, abrindo a janela para encarar Matt sem o vidro negro atrapalhando sua visão “Bora? Não temos muito tempo, senhor gigante.” disse com um sorriso brincalhão. Matteo poderia ter devolvido as palavras que estava sendo tão delicadas dela, mas decidiu que era melhor morder a língua. A situação já era enervante o suficiente sem que ele entrasse no jogo dela.
O som do motor ronco suave preencheu o ambiente enquanto ela ajustava os espelhos. “Faz tempo que eu não dirijo, mas acho que ainda me lembro de como fazer isso sem atropelar ninguém”, ela brincou, lançando um olhar rápido para Matteo. Ela colocou seus óculos escuros e acelerou para o caminho que o celular mandava, o vento bateu contra seus cabelos à medida que ela acelerava pela estrada. Dava para ver que os olhos dela brilharam com a liberdade que ela sempre irradiava quando estava ao volante, com um sorriso cantarolando uma música que tocava no rádio enquanto acelerava pelas curvas da estrada vazia deixava ainda mais claro o desprezo pelas regras de trânsito. Se sentia como Alice Cullen a caminho de Volterra!
Ao estacionar o carro, Matteo achou que suas pernas não iriam aguentar seu peso. Por Deus, ele iria ter que voltar de ônibus ou sugerir ele mesmo dirigir. Helena deveria estar tentando matá-lo. Não era possível que ela não soubesse a sua falta de direção. Seu estômago ainda estava embrulhado das viradas súbitas dada pela atriz nas estradas quando empurrou a porta, deixando o sino de boas vindas ecoar pelo local. O estabelecimento cheirava a poeira e sálvia. Matteo caminhou cuidadosamente entre as pilhas de objetos antigos, procurando o que haviam ido buscar até seus olhos pousarem na adega. A imagem do site não fazia jus ao objeto enferrujado e a sua intuição parecia correta ao dizer que aquele era o objeto. Havia algo de muito estranho no ar que cercava o objeto e atingia Matteo de uma forma que parecia pinicar sua pele. Ele cutucou Helena e apontou para a redoma. Esperava que ela entendesse que sendo ela a carismática, extrovertida, atriz, seu papel seria convencê-lo a entregar a adega para eles.
Não precisou de muito para Helena chegar ao comerciante, tentando parecer mais uma pessoa rica que desejava começar sua própria coleção de arte. A parte boa era que Sorrentino realmente gostava daquilo, tentando puxar assunto sobre outras peças antes de soltar “E esse punhal? Quanto quer por ele?” Helena, visivelmente animada, já tinha "adquirido" algumas peças naquela tarde, mas o simples “Esse não está à venda, senhorita” fez sua expressão mudar instantaneamente, como se um botão tivesse sido pressionado. Ela franziu a testa e, sem hesitar, perguntou novamente o preço. Afinal, ela poderia pagar, não tinha dúvidas disso. Porém, Agostino permaneceu firme, seu olhar tranquilo manteve em sua decisão: “Esse punhal só sai daqui para alguém que mereça”. Obviamente ela travou no lugar cruzando os braços sobre o peito, ofendida por aquela sentença. “E o que preciso para merecer ele? Ganhar de você em um duelo?” Por que teve que dizer aquilo? O rosto do homem se iluminou de uma forma, que o “Isso mesmo!” fez que Lena só olhasse para Matteo com uma só expressão, incredulidade. “Seu amigo poderia duelar pela senhorita se quiser.”
A ideia era absurda, mas não podia dizer não e, de certa forma, culpava Helena por aquilo. Esperava que eles pudessem pagar um valor simbólico pelo objeto e ir embora. Provavelmente não tinha valor nenhum para o homem e não iria ajudar ninguém além de um grupo exótico da pequena cidade. Mas claro que a tarefa não poderia ser tão fácil. Matteo não podia dizer que tinha experiência com adagas, mas quão diferente poderia ser de defesa pessoal? Ele pegou um punhal depositado por Agostino no balcão e o encarou a lâmina. “Vamos ver do que você é feito, rapaz” o senhor disse, acenando com a cabeça para eles seguirem para o fundo da loja.
Saíram por uma porta aos fundos para uma ruela vazia. Agostino tomou uma posição a alguns passos de distância de Matteo, deixando-o confuso sobre o que deveria fazer. “Vamos, rapaz, eu não tenho o dia todo.” Matteo fez a única coisa que fazia sentido e tomou a posição oposta ao homem. Antes que pudesse se preparar, o mais velho começou a avançar em sua direção, brandindo o punhal como se fosse uma espada longa, fazendo Matteo tropeçar alguns passos para trás. ‘Que porra é essa?’ Era tudo que passava pela sua cabeça, enquanto se afastava para trás, com passos hesitantes, empurrando a mão do homem pelo lado oposto a lâmina quando achava alguma abertura. Havia descoberto rapidamente que não era bom em lutas de lâminas. Talvez um soco ou outro, numa briga de rua, mas o que quer que fosse aquilo não era para ele. Ainda tentava se desviar, quando sentiu o punhal rasgar a sua camiseta, perfurando também a sua pele no bíceps e o sangue quente deslizando pelo algodão. A ferida ardia levemente e havia desconcertado-o suficientemente para que ele caísse para trás e o homem colocasse o punhal debaixo do seu queixo.
Estava arrependido de toda aquela situação. Matteo estava se questionando se havia enlouquecido ao ter aceitado aquela tarefa quando um grito agudo perfurou os seus tímpanos. Uma jovem estava na porta dos fundos e parecia hiperventilar, os olhos fixos em Helena. Matteo teve vontade de grunhir, tudo que menos precisavam agora era de uma fã louca, mas a jovem começou a chamar o pai e, para sua surpresa, Agostino havia respondido.
O desespero de Helena por aquela luta não foi apagado pela presença da garota, tanto que antes mesmo de se dirigir à fã, ela correu imediatamente para acudir Matteo. “Você o feriu! Por Deus! Matteo, você está bem?” Seus dedos trêmulos pegaram a blusa rasgada dele, tentando cobrir o local da ferida, embora o corte não fosse tão profundo quanto parecia à primeira vista. O simples gesto de tentar aliviar a dor dele revelava sua angústia. “Só queríamos aquele maldito punhal!” Ela acusou com a voz cheia de um desespero fabricado, assim como os olhos marejados de lágrimas, fingindo perfeitamente que seu coração apertava pela visão do homem ferido .
A garota que acabara de chegar entrou em pânico ao ver sua atriz favorita tão abalada, sua expressão de choque se transformando rapidamente em indignação. Ela olhou para o pai, furiosa, e avançou com passos rápidos, começando a discutir com o homem. “Dá logo essa velharia pra ela, pai! Por tudo que é sagrado!” Ela implorou, quase gritando, antes de se virar para o casal e pedir desculpas pelo que o velho havia causado. Agostino, no entanto, se manteve firme. Tentou explicar, com calma, que aquela peça era muito mais valiosa do que poderia imaginar, mas a raiva tomou conta dos olhos da jovem, que não parecia disposta a ouvir explicações. “Ela é Helena Sorrentino, pai!” A garota quase rugiu, os olhos brilhando de fúria. “Se você não vender essa adaga maldita pra ela, eu juro que nunca mais falo contigo!” A pressão na voz da jovem, misturada com o desespero de Helena, parecia colocar o comerciante em um impasse — um que ele claramente não queria enfrentar.
Ele inventou um preço simbólico, mas consideravelmente alto, o que fez a filha protestar imediatamente. “Pai, abaixa isso! Ela é Helena Sorrentino!” Ela exclamou novamente, e rapidamente ajustou o valor, decidida a garantir que sua estrela de cinema favorita saísse de lá com o punhal que tanto desejava. Sem hesitar, Helena pagou a quantia exigida, pegando o punhal com rapidez, como se temesse que o comerciante mudasse de ideia. Com um suspiro de alívio, ela limpou as lágrimas dos olhos e, em um gesto de gratidão, ofereceu uma foto à jovem, que aceitou sem pensar duas vezes, os olhos brilhando com a empolgação de ter feito algo importante.
Não demorou para que as duas saíssem daquele lugar caótico, tendo a discussão que ocorria dentro da loja sendo apagadas pelo barulho da cidade. Já na rua, Helena olhou para Matteo, que ainda estava visivelmente machucado. “Precisamos ir ao hospital. Você precisa tomar uma vacina e cuidar disso direito”, disse ela, a voz firme, mas cheia de preocupação. Ela sabia que o ferimento dele não era tão grave, mas a apreensão não a deixava relaxar.
( @khdpontos, @sorrentinosmuse )
Deu um curto aceno de cabeça para indicar que não havia sido um grande problema. Matteo estava ciente, em primeira mão, em como aquela atenção era chata. Os olhares que o acompanhavam para todo lugar nunca foram tão intensos quanto agora e tinha a sensação sufocante que as pessoas colocavam mais esperança naquela história do que deveriam. Ele nem ao menos acreditava que aquele grupo de desajustados tinha poder de mudar alguma coisa. Porém, se não podia ajudar toda a população, ao menos pode ajudar, Christopher. O que ele deveria realmente agradecer é que elas não olharam ambos como dois pelo preço de um. Talvez a sua fama de rabugente estivesse sobressaíndo ao seu título de solteiro cobiçado. Ou talvez estivesse esperando que eles sutilmente estivesses num encontro. O que, para Matteo, era um pensamento ridicularmente cômico. A ideia de Christopher ser sua 'alma gêmea' parecia tão impossível quanto Camilo Ricci. Se ele acreditasse em um destino cósmico, eles provavelmente seria uma piada cósmica para todos. O que, além do local em que nasceram, tinham em comum? Ele olhou Christopher de cima a baixo ─ tudo bem, não o conhecia de verdade, mas entre sua amizade com aquele que era seu nêmesis, sua profissão e a sua cantoria pelos bares da cidade, Matteo não via nada em comum entre ele. "Aparentemente alguém começou um rumor que se você transar com um reencarnado, você consegue se apaixonar," respondeu meio sem emoção. Ouviam rumores diferentes sobre os reencarnados todos os dias. Os rumores em relação à maldição estava começando a sair do controle desde que Olivia anunciou para todo mundo em praça pública a confirmação deles. Não que ele já tivesse aceitado essa condição. Matteo não se colocaria naquele grupo tão cedo. A distoância entre eles é nítida, mas ele não estava desconfortável com o novo companheiro do dia. Talvez porque estivesse no único lugar onde se sentia verdadeiramente a vontade, talvez a cada dia que passasse se importasse menos com o status. A confusão mental que o dia na cachoeira trouxe parece menos assustadora a cada dia que passava. "A menos que você queira voltar para os urubus," ele disse, olhando por cima do ombro para as mulheres. Elas já tinham se dissipado, mas ele ainda pegou uma ou outra olhando furtivamente para o homem. Seu suspiro foi longo, mas não se pendeu muito nos outros. Não era comum para ele ter um companheiro, a menos quando estava treinando alguém especificamente. Não era exatamente o caso dele, mas não duvidava que a forma de Christopher em um exercício ou outro seria o suficiente para lhe irritar e fazer com que ele mostre o correto. "Você tem um plano?" Ele perguntou, ao menos para ele era óbvia a referência ao plano de exercício, ao que iria fazer na academia, ou ao menos qual músculo iria trabalhar. Se iriam enfrentar aquele dia juntos, tinham que ao menos estar nos aparelhos próximos.
Christopher estava longe de ser um exemplo de dedicação ao condicionamento físico. Fazia apenas o necessário para manter a estética dentro dos seus próprios padrões e, depois, agradecia silenciosamente ao universo por ter sido agraciado com uma boa genética. Diferente do prazer genuíno que sentia ao passar horas sozinho, dedilhando as teclas do piano ou as cordas do violão, a academia lhe causava uma sensação quase claustrofóbica — especialmente em dias lotados como aquele. O espaço tomado por corpos suados, aparelhos disputados e, pior ainda, a presença inevitável de indivíduos cuja relação com o desodorante parecia inexistente tornava tudo ainda mais desagradável. Ainda assim, fazia questão de ir um pouco além do mínimo. Confiava na sorte, mas nunca a ponto de depender apenas dela.
Naquele dia, Christopher se arrependeu de cada gota de combustível desperdiçada para chegar ali. Assim que cruzou a entrada, foi imediatamente cercado por uma enxurrada de pessoas, todas ávidas por respostas que ele não queria — ou simplesmente se recusava — a dar. Perguntas sobre a maldição, sobre quem ele achava ser sua suposta alma gêmea e uma infinidade de outras especulações ecoavam ao seu redor, tornando impossível fingir que não as ouvia. Foi então que uma voz masculina se destacou no meio do burburinho, chamando por ele. Ao virar-se na direção do som, Christopher avistou Matteo. "E aí, Matteo. Já estava achando que ia se atrasar no primeiro dia." Apesar da falta de proximidade entre eles, reconhecia o outro perfeitamente — não apenas pelas incontáveis vezes em que ouvira Camilo xingá-lo, mas também pela fatídica noite na cachoeira. Não tinha uma opinião formada sobre Matteo, mas, naquele momento específico, depois de ser salvo daquela multidão insuportável, o cara facilmente poderia ocupar o top cinco de sua lista de pessoas favoritas.
"Valeu por isso." Murmurou em um tom mais baixo assim que se afastaram do grupo. Ainda lançando um olhar discreto por cima do ombro, como se temesse que os curiosos voltassem à carga, Christopher fez uma careta antes de resmungar: "Por um momento, achei que era uma carcaça cercada por urubus." Endireitou a postura, tentando recuperar um ar de normalidade e evitar atrair mais atenção indesejada. Depois, voltou o olhar para Matteo, avaliando-o rapidamente antes de soltar, com um misto de simpatia e incerteza: "Isso quer dizer que o treino de hoje vai ser em dupla...?" O tom era amigável, mas a hesitação era perceptível. Afinal, não se conheciam de verdade, e Christopher ainda tentava decifrar qual seria a melhor maneira de lidar com ele.
Matteo já tinha certeza de duas coisas — primeiro, definitivamente não queria estar ali. Segundo, definitivamente não ia conseguir sair agora. Matteo não lembrava de ter aceitado participar da brincadeira, mas lá estava ele. Sentado, fone de ouvido nos ombros, tentando entender em que momento deixou de controlar o próprio caminho naquela noite. Provavelmente no instante exato em que os olhos dele cruzaram os dela — e Scarlet, com o típico jeito dela, simplesmente não se importava se ele queria estar ali ou não. Com a falta de som ao seu redor, o mundo inteiro parecia suspenso. Scarlet estava à sua frente, e Matteo se forçou a respirar mais fundo do que precisava. A decoração da sala parecia mais quente do que o normal, com as luzes em tons de vermelho e dourado transformando o ambiente num lugar claustrofóbico demais para alguém que andava evitando até os próprios espelhos.
Ela articulou algo com os lábios. Devagar. Clara. Precisa. Matteo deveria estar prestando atenção. Mas tudo nele se fixou na forma como ela movia a boca — no contorno perfeito, no leve brilho do batom que parecia recém-retocado, na forma como ela dizia cada palavra como se fosse uma sentença. Matteo sentiu o ar preso no peito. Um calor estranho subiu pelo pescoço, e não era só pela iluminação ou pela proximidade. Era a forma como ela dizia aquilo. A forma como os olhos dela não recuavam.
Ele piscou, tentando retomar o controle. Tentando se lembrar de que era só um jogo idiota com frases aleatórias. Mas não soava aleatório. Tirou um lado do fone com a ponta dos dedos. A voz saiu mais baixa do que esperava, “que tal tentar algo mais inofensivo? Uma palavra?” Porque ele estava confuso se estava entendendo aquilo como uma palavra ou uma provocação. Colocou o fone de volta antes que ela pudesse responder, como se precisasse se proteger da resposta. Mas o estrago já estava feito. Ele ainda sentia o calor dos próprios pensamentos queimando sob a pele.
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Mais uma dinâmica na qual não queria participar mas se sentia ao menos na obrigação de tentar. Não era a pessoa mais divertida, nem a mais animada para esses jogos, ainda mais com toda aquela decoração romântica a sua volta que quase parecia a sufocar.
Mas antes que cogitasse sair dali, avistou a imagem familiar e se aproximou, sem rodeios e sem demora, o empurrando na direção onde pudessem jogar. Matteo parecia um pouco perdido, sem nem entender o que estava acontecendo, muito menos o motivo dos olhares os encarando. Scarlet, por sua vez, não dava a mínima para as pessoas ao redor, apenas queria entender onde aquela dinâmica os levaria.
Toma. - Entregou-o o fone, deixando claro como que se iniciaria a brincadeira. Ambos ficariam sentados um na frente do outro, precisando interpretar exatamente o que o outro dissera. - Calma, duas palavras! - Tentou deixar claro que era algo duplo, e ao menos isso ele entendera... Respirou fundo, negando com a cabeça e pensando em só dizer o que precisava. Já havia recebido uma orientação, falar de coisas marcantes de si, do outro, alguma qualidade, mesmo que não se lembrasse muito das de Matteo. - Lábios vermelhos. - Não podia fazer mímica, não podia mostrar, então ele teria que realmente prestar atenção e se concentrar. - Lábios vermelhos. - Repetiu mais uma vez, pausadamente, com o máximo de calma que conseguia.
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Clean shirt, new shoes And I don't know where I am goin' to
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Matteo era, normalmente, o dobro do tamanho de uma pessoa comum. O seu corpo ocupava muito espaço e, se alguém tentasse lhe atravessar, provavelmente eles não teriam muito sucesso. Então, quando o estranho esbarrou com ele, seu corpo mal sofreu o impacto, mas ele sentiu o corpo da pessoa reverberar para trás. Estava pronto para pedir desculpas, mesmo não tendo sido sua culpa, mas ao ver quem era ficou astônito por um minuto. Nunca a via por lá e isso dizia muito porque Matteo vivia naquele lugar. Ele deu um passo para a lateral, Graziella deu um passo para a lateral. Ele deu um sorriso nervoso. "Bom dia, Graziella." Não existia muito entre eles, mas não era muito difícil para ele se sentir intimidado por Graziella, independente do seu tamanho. Não era nem mais o fato dela ter sido do mesmo grupo de pessoas que o atormentavam. Era apenas como ela se portava. E ainda mais agora com aquela história de alma gêmea. A ideia de um deles ser alma gêmea da Graziella, para ele, era intimidador. "Como foi a sua missão?" Acabou perguntando.
ONDE: CASA COMUNE
QUEM: GRAZIELLA & @thematteobianchi
Normalmente a mulher fazia seus exercícios dentro de sua própria casa e na academia exclusiva que tinha, mas naquele dia em específico havia resolvido fazer algo diferente. Já vestida para o treino, Graziella chegou ao estabelecimento com sua bolsa de academia em um dos ombros, os pés firmes em direção ao caminho que sabia que deveria ir, até mesmo passando pela recepção sem dizer nada. Ela só não esperava que alguém virasse e entrasse em seu caminho e trombar com o corpo que quase a derrubou no chão. Os olhos verdes por um segundo chegaram a se erguer na direção da pessoa com a intenção de matá-lo com o olhar, mas não precisou chegar muito longe para saber de quem se tratava e deu tempo da empresária suavizar levemente a expressão. "Desculpe, Matteo. Bom dia." Murmurou, tentando passar por ele para continuar seu caminho.
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