Os olhos de Anastasia desceram até o objeto que ele segurava, levemente curiosa, mas não comentou nada. Ainda sim, ficou se perguntando o que era. Assim que escutou as palavras, curtas e grossas, sabia que estava chateado com ela. Não que o culpasse, mas Anastasia não sabia como falar sobre o que tinha feito com que comentasse sobre a decisão que tinha feito. Mesmo que fosse difícil para ela, se afastar tinha sido o certo para que não ansiasse ter mais qualquer envolvimento com o semideus (pelo menos, era o que falava para si mesma). Colocou o livro sobre a poltrona, segurando o pulso alheio impedindo que ele fosse embora. Sabia que o mais seguro era deixá-lo ir naquela situação, ainda mais com tantos fatores envolvidos. Ele fazia parte, no entanto, dos poucos que conseguiam ultrapassar as barreiras impostas pela Lee e que frequentemente colocava para cima novamente, evitando qualquer sentimento que poderia ser relacionado à mágoa. "Come on, Santi." A voz continha até mesmo pesar. Não era o tipo de pessoa que se desculpava com facilidade, mesmo quando sabia que a culpa tinha sido sua. Para ela, era um sinal de fraqueza e estava, há tanto tempo, não ser fraca mais. A mão deslizou até a dele, obrigando que ficasse. A outra facilmente encontrou a parte de cima, garantindo que ele ficasse o suficiente para escutá-la a respeito do que tinham para conversar. "Vamos conversar, por favor." Havia tanto que gostaria de falar, mas temia que talvez entrasse em um limbo que não desejava estar. Agora que tinha Melis novamente, parte da angústia dela tinha sumido, mesmo que não completamente. Para ela, sempre haveria aquela dor, aqueles pesadelos. Toda vez que fechava os olhos, estava novamente sendo atacada pelas pelúcias, perdendo o pai ou no sonho com a cobra. Sabia que dormia muito melhor com Santiago ao seu lado, mas era orgulhosa demais para permitir ser a primeira pessoa a falar a respeito daquilo. Quando estavam juntos, havia sempre o silêncio ensurdecedor. Agora, no entanto, parecia apático, o que definitivamente não era o que ansiava.
Não perderia tempo dando justificativas vazias ou falando o quanto se arrependia, porque, no final, não era o que sentia verdadeiramente. Mentir jamais fez parte dela e não seria agora que começaria. "Eu tive que tirar um tempo para pensar." A mordida no lábio veio naturalmente enquanto pensava como traria o tópico. Era ridículo, como escritora e filha de Afrodite, não encontrar as palavras corretas, ainda mais quando encontrava os olhos frios e irritados de Santiago. O outro jamais tinha olhado para ela daquela forma, o que com certeza fazia com que ansiasse pedir por perdão, mas seria contra a própria vontade. Queria ser mais verdadeira do que nunca, mas a verdade teria um preço no qual não estava disposta a pagar. Ter Santiago em sua vida era algo necessário, afinal ele fazia parte da sua pequena família imperfeita. Ela queria tê-lo por perto. "As… Coisas estavam começando a ficar confusas na minha cabeça." Esse era um dos motivos que não tinha feito oferendas para a mãe mais. Não precisava de qualquer sentimento interferindo os pensamentos, mesmo que fosse a natureza inerte de Anastasia. Eram sempre as próprias emoções interferindo na capacidade de pensar logicamente.
Havia a hesitação presente em seus atos e na sua expressão. Talvez o melhor que pudesse fazer por Santiago era deixá-lo ir e que a amizade deles fosse uma memória para ambos, mesmo que permanecesse com aquela incerteza do que poderia ter sido se tivesse ficado. Anastasia não era uma desistente, no entanto. Naquele momento, tudo que restavam eram dúvidas e, mesmo conversando com ele e tentando mentir para si mesma, elas permaneciam fortalecidas "Não estava conseguindo pensar claramente mais. Foi isso que aconteceu." Não estava procurando redenção de alguma forma. Mesmo que se tratasse de Santiago, Anastasia não mudaria a si mesma para caber nos padrões de outra pessoa. Quando ousou olhar para ele, no entanto, soube que talvez houvesse mais. A preocupação tomou conta da própria expressão, mesmo que soubesse que poderia ser injusto da parte dela quando havia se afastado por motivos egoístas. "Como você está?" As palavras continuavam baixas por conta do lugar onde estavam.
Certo, talvez ele não fosse exatamente figurinha carimbada entre os frequentadores assíduos da biblioteca mas, desde a queda das amigas ao submundo, havia se tornado pelo menos um rosto familiar entre os nerds que ali passavam o tempo. De sua própria maneira, Santiago cultivava o hábito da literatura quando o assunto era ficção, mas não tinha muito interesse em leituras acadêmicas–exceto quando a ocasião o pedia de maneira desesperada. Agora que Kat e Melis haviam retornado, sua intenção ao se esconder entre as estantes de livros era diferente: invés da pesquisa em busca de respostas, procurava um lugar quieto para colocar as próprias ideias no lugar. O motivo para a escolha era um só–ninguém o pensaria em procurar ali, o que seria suficiente para comprar-lhe paz por um par de horas.
Tinha muito no que pensar, e o fazer enfurnado no próprio Chalé o estava levando à loucura. Sempre havia alguma alma penada para o assombrar com batidas na porta do quarto, uma ou outra obrigação como Conselheiro pedindo por sua atenção e, entre as celebrações pelo retorno dos caídos e as preparações para os tempos de guerra que estavam por vir, sentia como se já não tivesse um minuto sequer para ser egoísta. Sua vida estava em frangalhos por mais motivos que não a morte iminente, e só o que queria fazer era os processar em ordem alfabética de maneira a decidir como dar um rumo para o próprio juízo, que parecia pendurado por um só fio de sanidade.
Estava aninhado na poltrona mais afastada dos demais assentos, o diário aberto em seu colo sem sequer ser folheado conforme encarava o dia acinzentado que o esperava lá fora. Com uma caneta em mãos, se propôs a itemizar a lista de todos os problemas que tinha para resolver, e notou que os três maiores começavam com a letra A: Alina, Anastasia e Antonia. Duas de três o vinham evitando tal qual a praga, e a terceira parecia determinada a dar-lhe motivos para se preocupar. Absorto em despejar todos os palavrões conhecidos pela língua inglesa em uma página, escolheu ignorar os sons da aproximação alheia até que a tinha diante de si, como se conjurada pela intensidade dos sentimentos registrados em papel e tinta. Reconheceu a voz antes mesmo de erguer o olhar para a encarar, e tratou de fechar o caderno que carregava consigo para cima e para baixo antes de a cumprimentar.
Ao tentar evitá-lo, Anastasia havia garantido que as linhas entrelaçadas de seus destinos os fizessem se esbarrar. ʿ Você não esperava me encontrar em lugar nenhum, pelo que entendi. ʾ A amargura da resposta deixava claro que não seria tomado para otário com justificativas para a ausência, não quando havia mandado mensagens–não quando havia dormido em seus braços e acordado com o frio da cama de enfermaria vazia em seu lugar. ʿ Yup. ʾ Prosseguiu de maneira curta e afiada, sem fazer nenhuma questão de oferecer uma resposta verdadeira. Se Nastya planejava ocultar as caraminholas de sua cabeça invés de ter uma conversa entre adultos, dois podiam jogar o mesmo jogo. Santi se colocou de pé, enfiando diário e caneta de volta na mochila e a jogando sobre o ombro. ʿ Seat's all yours though. ʾ Indicou com o queixo, pronto para dar-lhe as costas e determinado a não se humilhar por uma mísera chance de a desvendar.
Já tinha visto o Santiago irritado anteriormente, principalmente devido à convivência que tiveram ao longo dos anos. A amizade deles tinha sido fortalecida por conta daquele vínculo, sabendo que ambos podiam confiar um no outro, independente do que acontecesse. O afastar do outro fez com que o peito doesse, sabendo que tinha errado assim que viu a expressão no rosto alheio. Sabia que não era fácil, mas talvez fosse por melhor. No entanto, se aquele era o caso, não deveria estar se sentindo melhor? A ausência da mão alheia, um gesto que era tão natural para eles, parecia criar mais uma barreira entre os dois. Não queria perdê-lo, mas, naquele momento, parecia inevitável. Sentia-se uma tola por ter se permitido chegar tão longe, ainda mais quando havia tanto a se perder. Tinha prometido, no fim do último relacionamento, que não desejava passar por aquilo novamente. Os olhares magoados, as palavras cheias de rancor... Não deveria afetá-la novamente. Anastasia tinha colocado em sua mente que era quebrada demais para permitir ter afeto daquela forma. Ainda assim, estava ela ali, na mesma posição em que pediu aos deuses para não colocá-la novamente. O medo fazia com que o bolo na garganta se formasse.
Abriu a boca e a fechou novamente, sem saber ao certo o que dizer. Então, permitiu que ela abrisse, porém nenhum som foi produzido. Estava desnorteada com as palavras alheias. A proximidade dele, quando estava sentindo a respiração alheia contra o próprio rosto, foi a tortura que não esperava enfrentar, ainda mais quando absorvia os sentimentos que a inundavam. Era incapaz de enfrentar aquele tormento quando estavam tão perto. Ao olhar diretamente para ele, no entanto, via a mágoa contida, muito além das palavras. Não precisava entrar em sua mente facilmente para compreender aqueles sentimentos. Fechou os olhos, absorvendo cada aroma, cada golpe, cada emoção. Talvez merecesse isso, tinha sido egoísta de novo, mesmo quando prometeu que não o faria. Quando ele fez o mesmo gesto que tinha feito anteriormente, quando estavam no ofurô, o cenho dela franziu suavemente, sendo invadida pela preocupação novamente. Não buscaria pela mente dele; sabia que encontraria aquela barreira que conheceu e desaprovou. Queria saber mais, mas não estava em posição de questioná-lo sobre o assunto. Deu um passo como se quisesse ajudá-lo, a mão levantando em instinto, mas sabia que Santiago não queria sua proximidade. Talvez isso a magoasse ainda mais: saber que não poderia simplesmente abraçá-lo até que aquilo não fosse mais um problema. "Não estou me justificando." As palavras saíram de forma hesitante, sabendo que era um péssimo começo para o que estava prestes a dizer. "Você acha que é simples para mim?" A voz dela saiu mais baixa do que queria, quase um sussurro, mas carregada de emoção. "Eu sou um caos, Santiago. Não quero que você tenha que enfrentar isso, porque nem mesma eu sei como fazer." Mordeu o lábio, enfrentando novamente o bolo que se formava na garganta. Tinha lutado contra si mesma durante toda a vida: quando o pai morreu, quando vivenciaram a primeira missão, quando foi ferida tão gravemente que o rosto continha aquela maldita cicatriz.
"Nunca foi minha intenção que você se sentisse assim." Era difícil encará-lo naquele momento, mas Anastasia fazia o melhor que podia. As palavras saíam tropeçadas da sua boca, como se temesse perdê-las a qualquer momento. Mesmo que tivesse a intenção de que se afastassem durante o tempo que ficou sumida, parecia que tornou toda a situação ainda mais difícil de ser explicada. Para ela, fazia todo sentido, já que seria mais fácil. Era uma grande medrosa naquele aspecto. Sabia que era uma desistente, mas não confessaria em voz alta. "Pelos deuses, acho que me importo tanto com você que dói." Controlou a vontade de segurar na mão dele, para que compreendesse através dos gestos a intensidade do significado dele para ela. "Nunca quis que você sentisse que eu não me importava com você, que eu estivesse brincando com você ou te torturando para o meu próprio prazer." Ele era a sua família. Mais do que qualquer coisa que eram ou que poderiam ser, não ansiava que ele fosse apenas passageiro. Precisava que ele ficasse, mas, ainda assim, parecia egoísta da sua parte falar que queria aquilo. Santiago merecia mais do que Anastasia. Foi quando decidiu agachar-se em frente à poltrona em que ele estava sentado, permitindo que os olhares se encontrassem novamente. "Me afastei porque pensei que seria mais fácil. Que, se eu desaparecesse por um tempo, você poderia viver sem o peso do que eu sou e do que eu não posso ser." Tinha dificuldades em enfrentar os problemas verdadeiramente. Poderia ser uma lutadora exímia, mas continuava batalhando com os demais problemas. Os relacionamentos antigos tinham demonstrado o quanto era difícil ter que enfrentar as consequências do poder e, acima de tudo, a realidade da própria mente, que parecia a vontade de pregar peças constantes em si.
O encaixar da mão de Anastasia na sua foi quente e familiar. Mesmo com toda a mágoa e a animosidade que vinha alimentando, não podia mentir a si mesmo: tinha poucos confortos em sua vida, e aquele era o único que persistia até então. A pele delgada na sua, tão perto e tão longe–em outra situação, o toque por si só o teria feito relaxar, mas naquela em particular seus ombros se enrijeceram em resposta. Talvez fosse por isso que o dilacerasse tanto sentir a distância que se abria entre os dois como um abismo, quando as meras migalhas de afeto que coletava em momentos furtivos como aquele eram mais que suficientes. Nunca havia se permitido pedir por mais, e o pouco que tomava para si ainda era mais do que ela estava disposta a ofertar. Entendia, pois nada tinha a oferecer em retorno, mas não sabia como o aceitar.
Seria tão fácil a puxar para si. Tão fácil calar suas mil e uma dúvidas com um beijo–mas então viriam as perguntas e a incerteza, e o silencioso amaldiçoado lhe roubaria até mesmo o pouco que agora era nada, pois nunca seria capaz de dizer as três palavrinhas usadas desde que o mundo era mundo para explicar o que sentia por ela.
Afastou os dígitos dos dela como se estivessem em chamas, pois não podia se dar ao luxo de a querer com tanto afinco quando a sentia prestes a descartá-lo. Como em resposta ao que sentia, a brisa gelada do Norte soprou por entre a janela entreaberta, um sinal que ela saberia ler porque o o conhecia como ninguém: estava tentando e falhando em se controlar. ʿ Agora você quer conversar ? ʾ Questionou, o tom afiado como uma lâmina ao se permitir estacar onde estava. Seria fácil interpretá-lo de maneira errada, escolher rotular o destempero como raiva e o colocar na mesma caixa de sempre, mas o gelo em seus olhos pareceu derreter quando por fim se permitiu a encarar. ʿ No. You don't get to do that. ʾ A informou quase em uma acusação, pronto para deixar claro o quão insignificante ela o havia feito sentir ao ignorar sua existência mesmo com todas as tentativas de se reaproximar. ʿ 'Confusão' não é justificativa para me jogar no lixo como um brinquedo quebrado. ʾ Prosseguiu, dando um passo e outro na sua direção, se inclinando para diminuir a diferença de altura até que seus narizes estavam a centímetros de se tocar. ʿ O que caralhos tem de tão confuso afinal ? ʾ A amargura na pergunta era palpável, pois lhe doía a ver permitir que a incerteza a respeito do que quer que fosse afetasse a única constância com a qual sempre haviam contado: um com o outro. ʿ You're not the only one who's suffering. You don't get to torture me for sport when you know... ʾ Pareceu tropeçar nas próprias palavras, interrompido pela dor lancinante que vinha toda vez que sentia seu coração empedrar–censurado pela deusa do amor, que se divertia ao castigá-lo. Anastasia não sabia, não realmente–não fazia ideia de como ele se sentia, e Santiago nunca lhe poderia contar. Levou a mão ao peito como se atingido por um golpe invisível, e recuou até se apoiar sobre o braço da poltrona vazia, parecendo quase impossível se manter de pé sempre que a maldição decidia lhe visitar.
Aceitou sua derrota e se acomodou de volta no assento, a respiração acelerada pouco fazendo para ajudar a encher seus pulmões de oxigênio quando mal parecia capaz de fazer o próprio peito subir e descer. Mesmo com a dor lhe partindo, tentou lhe dizer com o olhar tudo o que não podia o fazer com palavras. Se ela estava confusa, só o que tinha a oferecer em resposta era a certeza de quem sabia, desde a primeira risada que lhe roubara, que sua presença se havia tornado uma necessidade tão básica quanto o ar. ʿ You don't get to ask how I'm doing after you've shown me how little you care. ʾ Foi o melhor que conseguiu dizer, o mais próximo da verdade que era capaz de chegar. A voz foi quase um sussurro, como se envergonhado ao pronunciá-lo pois significava admitir, de maneira incontestável, que tudo o que queria era saber que ela se importava.
Estava exatamente como ela o havia deixado na última vez que estiveram juntos: Sozinho e ferido. Já não tinha como o ocultar.
"Gosto de me preocupar com as pessoas de vez em quando." Mesmo que não fosse uma pessoa muito gentil, o poder dela fazia com que sentisse coisas que, muitas vezes, sequer eram suas. Muitas vezes, mesmo que inconscientemente, sentia a ponte se formar e podia perceber a natureza dos sentimentos alheios. Aquilo fazia com que a empatia dela fosse aguçada, independente das intenções que tivesse e que motivasse suas ações diárias. É claro que, ao mesmo tempo que dava uma dose de empatia, também oferecia uma dose de indiferença. De certa forma, todas as pessoas sempre estavam passando pelos próprios problemas. A vida de semideuses era formado por uma eterna angústia e incerteza do futuro. Ninguém sabia ao certo se viveriam, se morreriam, se, de alguma forma, poderia achar a paz que tanto almejavam. Estavam destinados a guerrear por objetivos e sonhos que sequer eram os que cultivavam. Continuou trabalhando na mão alheia, em silêncio, até que terminou de enrolá-la em uma bandagem. Voltou os olhos ao dele, um sorriso nos lábios dela, presente de uma forma quase tímida. "Pronto, mas recomendo que visite a enfermaria. Acho que vão precisar dar uma segunda olhada." Mesmo que soubesse lidar com ferimentos, ainda sim não era perita naquilo. Como instrutora, sabia aplicar os primeiros socorros, mas geralmente limitava-se aquilo.
Sabia que não deveria preocupar-se com o outro, ainda mais de maneira tão intrusiva, mas, por dentro, perguntava-se o que o outro tinha visto que tinha causado uma reação tão aversa. "O que você viu?" Anastasia era conhecida pelas intromissões e perguntar o que muitos não queriam responder. A filha de Afrodite, no entanto, talvez precisasse falar sobre aquilo com alguém. Tinha tanto preso no peito dela naquele momento que temia virar, em breve, uma bomba-relógio. Era questão de tempo até explodir novamente com alguém que não merecia. "Eu vi as pessoas morrendo por minha culpa, porque acredito que sou tão boa que jamais precisarei de ajuda de outras pessoas." Acreditou que parecia correto abrir-se daquela forma com o outro. Ainda sim, não parecia o suficiente para que causasse uma reação muito grande de si mesma. O que a assustava sequer era apenas a morte dos outros, mas sim, novamente, ter sido colocado como causadora daquele sofrimento. Os olhos fecharam-se por um segundo. Por mais que tentasse não pensar naquilo, a cena parecia repetir-se de novo e de novo em sua cabeça.
AQUELES QUE NOS CRIAM - decidem exatamente o quão forte vamos ser . o quanto podemos aceitar, sem nunca quebrar. talvez envergando, mas se mantendo em um pedaço. para arthur, a rigidez da mãe e a bondade do pai tinham sido dois grandes opostos que o prepararam para quase tudo na vida. de camile aprendeu, que mesmo casas de vidro podem ser reconstruídas para aguentar ainda mais pedras. enquanto alistair o ensinou que jamais devia se prender a uma ilusão de grandeza, empatia - era o que realmente lhe dava poder. verdadeiramente, lá estava ele - amando & sofrendo , em medidas quase iguais , se embebedando do mundo como ele era e seguindo em frente ; cabeça erguida, mãos em punhos, sempre pronto para uma nova luta.
acreditava que se tivesse sido criado por outras pessoas, não iria sobreviver - esse descaso divino , esse desamor, falando de : ' nós vivemos para sempre, e quanto a vocês ? ' , pois era vil & amargo, o quão pouco importavam. ' foda-se ares ', sempre dizia - pois seu pai, era o homem que tinha lhe dado a capacidade de resistir, todos os dias, ao estrago que aquela herança imortal causava em inocentes. inocentes como ela, inocentes como ele. inocentes como as crianças que passavam tanto tempo sem saber - se pertenciam a algum lugar no mundo. quando encontravam - era apenas algumas árvores, e muita dor . muita, muita dor.
deixou que ela continuasse a enfaixar sua mão, mesmo que ainda pudesse sentir , quente & viscoso, o sangue da matriarca nelas. o fazia estremecer de leve, toda vez que pensava nas sirenes e na mesa estilhaçada, seu corpo sem vida no colo - tudo tão real no momento.
❛ como pode dizer isso ? ❜ inquiriu com o cenho franzido, genuína surpresa cruzando suas feições. ❛ claro que me preocupo com você. ❜ procurou os olhos da outra, mas ela parecia vidrada na tarefa. ❛ você está se preocupando comigo, não ? ❜ mesmo que fosse uma forma de distração da desgraça pendente, da ilusão que deixou todos de uma forma ou de outra, desestabilizados, ele ainda era grato. como não poderia ser ? vir até ela, tinha sido também, uma forma de esquecer dos problemas em mãos. muito literalmente.
❛ vai dar tudo certo ? ❜ quis rir, mas permaneceu com o semblante impassível. talvez ela tivesse que acreditar naquilo ; talvez nas ruínas dela, não havia espaço para desespero . sim, algo se partiu - algo quebrou ; talvez para anastasia não houvesse nada a fazer além de pegar os pedaços e começar a colocá-los no lugar. ❛ sim, vai tudo ficar bem, eu suponho. ❜ suspirou, derrotado. arthur, precisava de algum tempo entre os destroços, precisava lembrar - como suas fundações tinham sido construídas, antes de poder mudar tudo sobre elas.
"Oh, Yas, todos nós somos meio fodidos da cabeça ou da vida." Um sorriso tranquilizador apareceu nos lábios dela, já que entendia o que ela estava dizendo mais do que qualquer pessoa. Quantas vezes o próprio poder não tinha ficado no caminho de construir relacionamentos amorosos, acreditando que não tinha sido uma farsa? "Não que eu esteja diminuindo a sua dor ou coisa do tipo, mas... Deixe me utilizar como exemplo. Só de pensar em sair do Acampamento Meio-Sangue fico aterrorizada, porque acho que posso morrer a qualquer momento, assim como as pessoas que são importantes para mim. Nunca vivi nada além do limite, o que é meio triste e eu fico querendo mais, mas o medo é algo muito poderoso." Pegou uma batata com o garfo, apontando ela para Yas, esperando que acreditasse no que a filha de Afrodite estava falando. Mesmo que fosse terrível com os próprios relacionamentos, ela sabia muito bem como ajudar os outros. Talvez fosse o fato de ser uma filha da deusa do amor, mas adorava se intrometer em questões do coração. "O que quero dizer: todos nós somos ferrados de alguma maneira e tenho certeza que ele também é. Pode até falar que ele merece outra pessoa, mas no final quem ele quer é você." Deu de ombros, acreditando que tinha feito o seu melhor e não queria se intrometer mais ainda naquela relação de ambos, mesmo que desejasse que ficassem juntos. O que fizessem ali para frente era decisão deles. Comeu a batata que anteriormente tinha sido apontada, soltando um suspiro de satisfação. O que tinham colocado naquela comida que estava deliciosa? "Você deveria experimentar essas batatas, definitivamente. Será que eles têm cheddar ou coisa do tipo para eu afundar elas?"
Última vez. Yasemin se perguntou se ela estava falando de Joseph com ela, ou de Joseph no quesito amoroso geral. Por via das duvidas decidiu ficar quieta e se ele tivesse algo a dizer, lhe diria num momento oportuno. ❝ ― Curiosidade ou não, as aspectos da minha vida também, logo... ❞ — Deixou a frase inacabada, permitindo que Anastasia tirasse suas próprias conclusões sobre o que queria dizer. Por incrível que pareça. Yas não ficou irritada com a resposta torta como geralmente aconteceria. Não tinha dúvidas que Joseph tinha bons amigos. O problema sempre foi ela e ela sabia disso. Por conta de fatos como esses que relutava tanto em se envolver com o rapaz. ❝ ― Eu só acho que ele mereça alguém que não tenha uma vida tão fodida quanto a minha. ❞ — Murmurou ao pegar sua taça novamente e tomar um gole ainda mais generoso do vinho sem pensar muito nas consequências. ❝ ― Você também está linda. Gostei muito do seu vestido. ❞ — Ela respondeu com certa cordialidade, mas de certa maneira, entrou num assunto sensível e foi inevitável quando os ombros se encolheram e uma certa melancolia tomou parte do seu ser enquanto fitava a festa acontecendo.
Observou enquanto a outra tropeçava nas palavras com muito interesse. Não sabia exatamente o que ela desejava com aquilo, já que eles eram vistos frequentemente juntos. Fazia muito tempo que Joseph era apaixonado por Yas, talvez mais tempo que até mesmo ela sabia. Já que não haviam conversado sobre os sentimentos que compartilhavam, poderia ser uma área cinzenta que ambos não quisessem conversar sobre o assunto. Se fosse uma pessoa decente, Anastasia ficaria quieta a respeito daquilo e respeitaria a privacidade de Yasemin, mas quem disse que era? "Você não quer, então?" Mordiscou mais uma batata, que estava uma delícia, inclusive. Não queria ficar puxando a outra a falar a respeito de algo que não desejava, mas muitas vezes Nastya agia de acordo com os próprios interesses... E, naquele caso, buscava mais informações para que pudesse abordar o melhor amigo a respeito da questão. "Para mim, o show foi perfeito, de verdade. Vocês arrasaram como sempre. Poderia passar o dia inteiro escutando vocês." Comentou a respeito do que ela tinha falado, mas não era alguém que costumava ser distraída tão facilmente. Tomou um gole de água, pensando se deveria falar exatamente o que estava passando na sua cabeça. Decidiu que era um bom momento para falar sobre aquilo, já que sempre poderia culpar a bebida. "Bem, se você não quer, você deveria falar com ele sobre isso. É meio injusto com ele, Yas, mesmo que eu realmente goste de você." Era uma grande fã de amor, bem típico de uma filha de Afrodite, mesmo que não fosse muito sortuda em relação aquilo. Tentava superar, no entanto. Sabia que o amor romântico não era para todos. "Ou você não sabe o que quer?"
O show tomou parte da sua energia e precisava repor ela com comidas e bebidas. A comida primeiro, claro. Então depois de trocar o look da apresentação e chegar ao baile novamente, foi que procurou uma mesa mais afastada enquanto comia alguns petiscos. A aproximação de Anastasia a fez sorrir, a permitindo se unir a ela, mas quando o nome de Joseph veio a tona, ela sorriu de maneira sem graça e para piorar se engasgando com o bolinho que mastigava e tossindo algumas vezes depois da pergunta sobre o namoro. De todos os intrometidos do dia, ela tinha sido uma das mais cara de pau. Deu algumas batidinhas no próprio peito enquanto buscava tomar água e recuperava o folego. ❝ ― Nós... Ahn... Não! ❞ — Negou com a cabeça e mesmo que tivesse se engasgado segundos atrás, ela buscou enfiar mais bolinhos na boca só para não precisar falar sobre aquilo. Quando terminou de mastigar, ela sorriu para a amiga. ❝ ― Tô morrendo de fome. O show demorou mais tempo que o esperado, então drenou um pouco da energia. ❞ — Tentou mudar de assunto, mas se conhecia bem Anastasia, sabia que ela iria insistir em falar sobre Joseph.
FLASHBACK . "Esse é o meu objetivo. Quando você menos esperar, estará completamente apaixonada por mim." Uma piscada em direção a ela foi o suficiente para que o flerte se tornasse mais evidente. Não ansiava forçar qualquer coisa que a outra se sentisse minimamente desconfortável, mas Anastasia permanecia se preocupando com Veronica, ainda mais com a situação que se desenrolava. Esperava que tudo ficasse bem no final, mas ainda sim ficava questionando-se a respeito de quem era o verdadeiro traidor. A reação afetuosa alheia pegou a filha de Afrodite de surpresa, ficando congelada conforme sentia os braços em volta dela e os beijos sendo distribuídos em seu rosto. Mesmo que tivesse uma relação afetuosa e carinhosa com Ronnie, não esperava aquilo, o coração batendo um pouco mais aceleradamente. Permaneceu alguns segundos em silêncio, levemente em pânico, até piscar novamente, sendo tirada do transe que a outra tinha a colocado inconscientemente. "Certo. Chá. Parece uma boa ideia." Um sorriso apareceu nos lábios de Anastasia, levemente envergonhada pela própria reação. Colocou uma mecha do cabelo atrás da orelha, tentando disfarçar o quanto tinha ficado impactada com a reação alheia. Demorou mais alguns segundos para que finalmente decidisse movimentar-se novamente, quase como se estivesse tentando definir se era seguro o suficiente para que não tivesse um ataque cardíaco subitamente.
"Oh, eu estou... Indo. Foi difícil, mas nada que eu não consiga superar." Uma risadinha nervosa escapou de Anastasia, já que era apenas uma meia verdade, colocando uma mecha atrás da orelha. Desde o acontecido, tinha decidido ignorar aquilo, mesmo que, durante a noite, os pesadelos continuavam a persegui-la a respeito do assunto. Ainda assim, a escolha que tinha tomado visava, principalmente, a decisão de cuidar ainda mais dos irmãos. Não conseguiria conviver com a ideia de perdê-los algum dia. O seu defeito ser jogado em sua cara como a causa do sofrimento... Bem, definitivamente não tinha sido fácil para ela. Estava realmente dedicada a melhorar cada aspecto para que não se sentisse imponente novamente. Precisava melhorar. Fortalecer. Não gostava de ficar choramingo pelos cantos quando precisava ser forte. "Tenho certeza que isso logo acaba, de qualquer forma. Logo esquecem toda essa baboseira que vocês estão envolvidos de alguma forma." Sabia como os semideuses poderiam ser cruéis com as opiniões que cultivavam. Tinha visto isso anteriormente relacionado aos filhos de Hades e agora voltava-se a um novo inimigo. Quando olhava para Veronica, no entanto, possuía a certeza que não tinha feito nada que a acusavam. Talvez fosse completamente parcial naquela situação, mas sabia que a devota era alguém verdadeiramente bom. "Se queimarem o seu chalé, sempre terá um lugar comigo." O flerte saiu naturalmente de Anastasia em formato de brincadeira. Era inevitável para ela, principalmente porque jamais poderia negar que tinha um claro interesse na semideusa, apesar das constantes esquivas. Era uma pessoa decidida, no entanto. Quando colocava na cabeça que almejava algo, dificilmente poderiam mudar os anseios da semideusa.
A primeira vez que ergueu o olhar do grimório em seu colo, ou da bagunça de cadernos e canetas, em horas, foi quando ouviu a voz de Nastia. A confusão perceptiva não era pela presença dela, pelo contrário, a visão da mulher lhe arrancou um sorriso sem ressalvas, se espantou por estar tão focada que nem mesmo reparou quando ela entrara no chalé de Hera. Ainda que o chalé de Hera fosse apenas por conveniência, e Dionísio ou Quíron, se recusassem a deixar as devotas se instalarem lá definitivamente, todo mundo sabia que se não encontrasse Veronica pelo acampamento, o lugar mais fácil de achá-la, seria no chalé de sua senhora. Confortável e conveniente o bastante para se instalar lá por dias seguidos, dormindo até, contra as regras do toque de recolher, aquele não era um dos lugares favoritos de Ronnie à toa. A Aura da rainha parecia que lhe ajudava, lhe guiava... E tudo que Veronica mais desejava era orientação naquele momento. Era tão confortável, tão acolhedor, que a presença das pessoas que gostava apenas fazia aquele lugar reluzir em uma forma quase lúdica de pertencimento. Sabia que tinha o dedo de Hera nisso também. Recolheu os livros enquanto encolhia as pernas, se afastando de seus estudos pela primeira vez. ❛ ah você sabe que eu nunca faria isso. Você pode querer me morder, mas quem disse que eu não gosto? ❜ Respondeu em uma provocação jocosa, divertida apenas em ser, do duplo sentido da conversa. Veronica ergueu as mãos e juntou os cabelos longos em um rabo de cavalo, prendendo com um elástico de seu pulso enquanto o olhar curioso analisava a amiga. ❛ Qual o problema? Você precisava de algo? ❜ Questionou, a preocupação começando a lhe atentar, não eram bons dias para ninguém ali, e talvez, em sua busca de se afastar, Veronica estivesse negligenciando mais do que gostaria, os amigos. ❛ Pra mim? ah cara... ❜ A voz se arrastou, manhosa e melodiosa enquanto se levantava e praticamente saltitava até a outra, seu coração derretendo em carinho pela demonstração de amor. ❛ Depois eu me apaixono e você não quer lidar com esse problema. ❜ Vee não fazia por mal, era quase natural enfiar comentários bobos e de duplo sentido entre a relação que elas tinham. Nunca fizeram nada, ainda que fosse especialmente carinhosa e afetuosa com a filha de Afrodite, simplesmente parecia, para si, natural.
❛ Eles já me deixaram feliz só por você ter lembrado de mim. ❜ Tranquilizou a outra, enquanto pegava um dos bolinhos da cesta. Não estava com fome, nem se lembrava da última vez que sentiu fome de verdade nos últimos dias, porém não faria qualquer objeção à demonstração afetuosa que recebera. ❛ Eu acho que tenho chá gelado aqui, e quente também se preferir... Podemos fazer a tarde do chá, se quiser ficar. ❜ Ofertou, torcendo que aceitasse. Seus estudos não eram muito diferente do que mais uma fuga, mas enquanto o treino para fechar as fendas estavam mais lentos, ela insistia naquele feitiço pelas suas memórias. Precisava de algum jeito contornar o que acontecera. ❛ Rosas já são lindas, sabe que você não precisa de muito 'pra me agradar. ❜ Sorriu, e não se impediu de envolver os braços em torno dela, os lábios buscando o rosto dela em selares rápidos e carinhosos, talvez demais até para a dinâmica que tinham, porém, não pensou muito antes de o fazer. No fim, Vee não pensava muito em limites ou profundamente na relação que tinham; eram amigas, flertavam por brincadeira, mas era apenas isso no fim, brincadeiras. ❛ Obrigada, viu? ❜ A liberou de seu enlace, os ombros se movendo em um sinal de desinteresse, não sabia se poderia se importar muito com isso agora. ❛ Tentando fingir que não aconteceu, e você? ❜ devolveu a pergunta, um humor ácido na atitude. ❛ Só acho que não sou muito boa nisso... Mas tenho tentado focar em outras coisas, e ficar longe dos inquisidores também. Não precisa se preocupar, meu clã sobreviveu à caça as bruxas uma vez, eu garanto que os daqui não são nada. ❜
As palavras dela fizeram com que, por um momento, absorvesse aquela informação. Talvez a utilizasse futuramente, mesmo que soubesse do envolvimento dele com Kitty e Mary, mas era uma grande fã do caos. A mente foi, por um momento, para as possibilidades, mas logo focou no que estavam fazendo ali. Os sentimentos das pessoas tinham efeitos adversos em Anastasia, que poderia, facilmente, compartilhar deles, se fosse o seu desejo. Assim que a mente conectou, no entanto, percebeu que não seria uma boa coisa compartilhar daquilo, principalmente porque estava cansada de sentir medo, mesmo que o causasse facilmente em Aidan. A expressão permanecia de tédio, mas a mente funcionava para transmitir as informações através da ponte que se formava entre as mentes. Era interessante ver como o outro batalhava contra ela, tentando lidar com os sentimentos. Mesmo que não controlasse fortemente, havia uma resistência do poder dele, que ameaçava sair a qualquer momento. Sabia que o odiava, porém torcia para que fosse capaz de batalhar contra a ânsia de fazer o poder escapar. Não queria mais passar por aquela situação novamente e, mesmo que fosse motivada por motivos egoístas na maioria das situações, esperava que outras pessoas não fossem influenciadas involuntariamente pelo filho de Ares. O medo dele fazia com que arrepios percorressem seu corpo, mas não retirou o laço que tinha formado anteriormente, por mais que ansiasse virar as costas e ir embora. Pensava muito no que poderia fazer, na vulnerabilidade da situação, e se não estava passando por um limite realizando aquilo, principalmente tratando-se de uma instrutora. Sabia que haviam formas mais sutis e não tão extremas de testá-lo, mas estavam desesperados, principalmente algo maior que eles estava acontecendo. Anastasia precisava que todos estivessem em sua melhor condição.
A surpresa dela foi explícita na expressão, ao mesmo tempo que havia um leve orgulho do que tinha feito (não que fosse confessar em voz alta, é claro). "Certo." Umedeceu os lábios antes de permitir que a mais intensa das sensações o invadisse: a raiva. Filhos de Ares, no geral, tinham dificuldade com essa, uma vez que eram conhecidos pelo temperamento explosivo. Por isso, afastou-se ainda mais alguns passos, sentindo aquela rede de informações ser enviada pelo laço mental até a parte do cérebro que processava os sentimentos. O gosto amargo e as bochechas coradas rapidamente invadiram Anastasia, que tentava forçar-se a não quebrar a conexão. Mesmo que o controle dos sentimentos fosse algo fácil para ela, que já tinha consciência plena dos poderes, ainda sim haviam aquelas que demandavam um esforço maior dela. A expressão de tédio foi alterada para uma concentração, evidenciada pelas sobrancelhas que se juntavam. "Me fale se tiver qualquer sinal de descontrole." O aviso veio com certa preocupação na voz.
Deu levemente de ombros com a possibilidade. "Se pedir com educação, talvez." O riso nervoso surgiu em seus lábios. Estava à mercê de qualquer efeito que viesse a emanar da filha de Afrodite e, quebrar a dureza do ambiente daquela forma, não pareceu uma boa ideia. Isso ficou evidente após as palavras dela. Soltou um longo suspiro ao sentir uma estranha confusão emocional cruzando seu peito, como se fosse afetado por um turbilhão de conclusões em um micro segundo. Tomado pelo desejo de concentração, fechou os olhos e relaxou os ombros. Precisava distanciar o emocional de seu corpo, era essa a instrução que havia recebido de Charlie, Quíron e de outros colegas que o acompanhavam naquela reabilitação. Estranhamente, passou a sentir um estranho nó se formando em sua garganta, apertando cada vez mais, esfriando o seu corpo. Quando o tremor atingiu suas pernas, a estrutura de seu corpo balançava levemente com a força da emoção que lhe acometia. Pavor. Tudo que Aidan sentia era mais intenso, sempre foi assim, desde a infância, mas controlado por Nastya parecia ainda mais impactado. Os olhos abriram e se arregalaram. O ambiente parecia assustador, a sensação de que algo iria acontecer, de que algo estava à espreita, de que a escuridão ao canto da sala teria um inimigo guardado. Olhava ao redor de si enquanto o tremor tornava a escalar por seu corpo. As mãos chacoalhavam e produziam o barulho de suas pulseiras se chocando. A filha de Afrodite parecia amedrontadora mesmo com o fino semblante de tranquilidade.
Conseguiu identificar dentro de si o calor que subia em seu peito, o mesmo calor que causava a febre que antecedia a liberação da cólera. Passou a domar aquela sensação através da respiração, harmonizando-a pouco a pouco, levando seus pensamentos para uma zona de conforto dentro de si, repetindo mantras para apaziguar suas emoções. Aos poucos conseguiu conduzir seus pensamentos para a estabilidade dentro do medo, a queimação no peito se esfriando com uma baixa do efeito da intervenção mágica em seu corpo. Finalmente, dentro do medo, encontrou a segurança. "Estou conseguindo. Próxima emoção! Sem pausar!" Exclamou vinculando os olhos aos da semideusa.
"Eu dou as melhores sugestões, pode falar." Um sorriso de brincadeira apareceu nos lábios de Anastasia, já que sabia que o amigo tinha odiado. Bem, ele que sobrevivesse, pois já começaria a produção das camisetas no dia seguinte. Talvez tirasse uma foto do amigo quando não estivesse percebendo para que deixei tudo com uma vibe de moreno misterioso. "Seria muito previsível fazer algo relacionado ao mar. Prefiro fazer algo relacionado somente a você." Sabia que a maioria dos campistas poderiam compartilhar um histórico complicado com os pais divinos, ainda mais quando vários tinham sofrido em decorrência disso. Ao escutar as palavras alheias, um sorriso fácil apareceu nos lábios de Anastasia, que deu uma pequena reverência. "Minha mãe me fez muito bem." Piscou para o semideus, não tendo nenhum esforço em negar o que dizia. "Acho que já afugentei todas as pessoas possíveis do Acampamento, para ser sincera, ou quase todas. Devo ter quebrado alguns corações, mas não de alguém que eu me importasse."
"Oh, ela com certeza faria isso. Já vi muita gente aqui comendo da forma mais cuidadosa o possível para não sujar as roupas com medo das ações da minha mãe." Se pegou sorrindo com aquilo. Mesmo que não fosse próxima de Afrodite, Anastasia não possuía uma relação de desgosto pela mãe. De vez em quando, até sentia-se mais como ela em pequenas ações do dia-a-dia. "Algo especial? E o que seria?" Queria muito saber o que era. Será que era alguma confissão de amor? Se fosse ficaria muito orgulhosa, já que sabia um pouco sobre os verdadeiros sentimentos do homem.
Ok, ele não queria deixar a melhor amiga chateada, tanto que rapidamente se desculpou quando viu o semblante insatisfeito da mesma. ― Tudo bem, tudo bem, pode ser Josephetes. ― Até porque perto da próxima sugestão dada, bom, a primeira não soou tão ruim assim. ― Pelo menos não é nada relacionado ao mar. ― Completou com um riso sem graça. Sabia que no fundo a amiga arrumaria algo melhor no futuro, mas por hora, era melhor não prolongar o assunto. ― Bom, tudo isso graças a sua mãe. Se não fosse por Afrodite, acredite, eu não estaria tudo isso que está dizendo. Ao contrário de você, hm? Você já nasceu com essa benção e hoje, pelo visto, ganhou um bônus. Já destruiu quantos corações? Se me falar nenhum é mentira. ― Não dava para nega, Anastasia sempre foi muito bonita e naquela noite não estava diferente. E a roupa escolhida combinou perfeitamente com a semideusa, não tinha um defeito se quer. Por um momento, conforme a outra o encarava, Joe tratou de ajustar uma última vez suas roupas. O comentário referente ao autografo arrancou um riso diverso de Joe. Ele não era nem louco de estragar um presente dado por Afrodite, muito menos destruir seus anos de devoção a deusa com uma besteira como aquela. ― É brincadeira, não quero sua mãe brava comigo ou pior, me jogando uma maldição pela audácia. ― Buscou se defender, chegando a pedir desculpas mentalmente. ― Alias, eu preparei algo especial, então se você perder o meu solo ficarei bem chateado contigo.
Estava despreparada e cansada, fruto dos dias que não foi permitido que instruísse. Mesmo que os anseios permanecessem, o corpo enfaixado e os hematomas impossibilitavam que empunhasse a espada e, agora, também a corrente. Os pensamentos flutuavam em sua cabeça, a noite comandada pela fraqueza a atormentando sempre que ficava em silêncio. Talvez fosse esse um dos motivos que tinha tornado as oferendas mais frequentes, rogando por mais sabedoria e clareza para Atena. Esperava que não cometesse tolices estratégias novamente, principalmente quando tinha certeza que haveria mais combates para frente. Lutaria dia e noite até que estivesse afiada novamente e se tornasse a melhor naquilo. Sequer tinha percebido a presença da semideusa quando escutou as palavras da outra, os pelos do braço eriçando levemente pelo instinto que é trazido pelos reflexos. "Sempre estou com raiva de alguém." Uma risada saiu dos lábios dela, já que, muitas vezes, usava a raiva como motivo de treino. Naquele momento, no entanto, era bem mais complexo do que uma emoção simples como a raiva. Havia bem mais que estava em jogo além de alguém falando mal de si ou de algum desentendimento que tivera. "Mas não é por isso. Acho que, nesse meio tempo que fiquei na enfermaria, desacostumei. Poderia ter sido mais rápida e mais precisa." A espada estava um pouco mais pesada conforme segurava, então a transformou em pulseira novamente. A respiração estava pesada e o corpo coberto de suor, então achou que fazer uma pausa não seria de todo mal. "Mas obrigada pela preocupação. Vou usar esse seu espírito quando precisar brigar realmente com alguém." Um sorriso alargou-se na expressão dela, mantendo uma leveza nas palavras. Não desejava brigar fisicamente com alguém tão cedo. "Quer treinar um pouco? Posso te ajudar."
Encostada na parede, Melis observava de longe como Nastya se portava em seu treinamento. A semideusa até tentava memorizar o que ela estava fazendo para poder reproduzir quando estivesse em seu horário. Provavelmente não iria conseguir fazê-lo com a mesma perfeição, mas talvez até pudesse surpreender seus instrutores. Quando a amiga terminou seu treinamento, Melis esperou até que saísse da arena para poder se aproximar. "Dez de dez, Nastya! Maravilhosa, rainha, divônica, kinga, lendária!" Começou a bater palmas para a amiga, fazendo movimentos engraçados conforme a elogia. "Você acabou com tudo ali!" Parou ao lado dela com um sorriso animado. O que Melis fazia de melhor era apoiar seus amigos e também demonstrar o quanto os admirava. "E fez isso tão rápido! Cheguei quando você estava começando e você já está aqui, perfeita! Depois você precisa me ensinar como..." Parou por um momento e tirou aquele segundo para pensar. Realmente ela havia derrotado todos com muita rapidez. Será que havia perdido alguma coisa importante? "Nastya, você está com raiva de alguém?" No mesmo momento, Melis mudou a postura. O que é que tenha acontecido, a semideusa estaria preparada para ajudar. Anastasia sempre fazia o mesmo por ela. "Quer que eu te defenda? Quem foi? Quem foi? Me diz que eu vou lá fazer barraco! Não tenho medo de falar não!" | @ncstya