Havia algo no jeito que a outra falava que incomodava Angelina, talvez a necessidade insistente de encontrar um significado oculto, mas era diferente para ela. Ela queria dizer algo reconfortante, mas também não via sentido em alimentar uma ideia que, para ela, era besteira. — O que aconteceu foi um desastre. Acidentes acontecem, sobreviventes aparecem às vezes. Como aquele avião que caiu nos Andes. Foi uma sequência de eventos infelizes que nos trouxe até aqui, e agora a única coisa que importa é o que a gente faz pra continuar viva. — Angel fechou os olhos por um breve segundo. Ela sabia. Sabia dos números. Sabia que, depois de um tempo, as manchetes perdiam força, que novos desastres surgiam para tomar o lugar delas. — Acho que ninguém mais aqui espera otimismo, pra ser sincera. — Deu um meio sorriso, cansado. — Eu sei que é difícil aceitar que algumas coisas simplesmente acontecem. Mas a gente não tá em um livro de mistério. Não tem resposta escondida em algum canto dessa floresta. Só tem a gente, e o que a gente faz pra sobreviver. — E, para Angelina, isso era o suficiente.
* juno sabia que metade das coisas que falava podia ser sentido. céus, ela mal se reconhecia. nove dias atrás, teria rido se encontrasse alguém repetindo as mesmas coisas que ela fala. então sim, ela sabia o que parecia para os demais. talvez devesse ir arrumar a cabana, procurar comida ou achar outra coisa útil para fazer. só conseguiu pensar na sua mãe. "existem coisas mais ou tão úteis quanto ser produtiva ou lógica. sonhar é tão importante quanto ocupar as mãos". só que não estava sonhando; se estivesse, seria um pesadelo. jamais se imaginou nessa posição. — pode ser. — disse, sem carisma algum, chutando uma pedra no lago. estava um pouco exausta também, como se precisasse sempre lembrar a todos que não era maluca. — mas as estatísticas também dizem que a porcentagem de queda de avião é mínima. que é tão seguro quanto andar de carro. sem contar que após oito dias de desaparecimento de um avião... algumas pessoas param de procurar. — compartilhou. sabia que não era legal ouvir aquilo. mas se as pessoas não queriam falar com ela sobre os significados das coisas, então talvez pudesse tentar mostrar como nem tudo era lógico. na verdade, não tinha nenhuma lógica no que estavam vivendo. — desculpa pelo tom pessimista. mas é que sinto que as pessoas querem ignorar as coisas. mas uma hora ou outra, a gente vai precisar lidar com certas verdades. / ♡
❛ i really, really don't like this. ❜
Angelina já havia aprendido a confiar na própria intuição. E naquele instante, enquanto observava Basil à distância, estava agachada perto da fogueira como se estivesse tentando convencer a própria mente de que aquele era só mais um dia qualquer, algo nela acendeu em alerta. A floresta parecia ter prendido o fôlego. Não havia som de vento, nem o farfalhar das folhas como de costume. Olhou ao redor confusa e ouviu o dito dele. Angel não respondeu de imediato. Só passou a mão pelo cabelo, exalando uma inquietação crua que parecia não caber naquele corpo tão habituado à rigidez. Angelina engoliu em seco. Ela queria continuar cética, queria manter o foco no que podia ser explicado e racionalizado. Mas tudo estava saindo do controle. Até Basil estava e isso a deixava sem chão. — Você acha que a gente devia cancelar o baile, banquete, sei lá? — Ela perguntou, quase esperando um sim, esperando que ele dissesse que era besteira e que o grupo estava pirando. Os olhos estavam fixos em algum ponto que ela não conseguia enxergar. — Talvez... Não sei. Como tem se sentido? Nos deu um susto. — Tentou voltar ao seu ceticismo.
Seus dedos se fecharam ao redor do ferimento, como se pudesse simplesmente ignorá-lo até desaparecer. Ela manteve os dedos fechados sobre a palma machucada, sentindo a pontada incômoda da farpa de madeira presa à pele. Nada comparado ao resto do que estavam passando. — Não precisa. — Sua resposta saiu automática, curta demais, quase ríspida. — Já vai sair sozinha. — Feridas pequenas, coisas palpáveis, essas eram fáceis de lidar. O silêncio se alongou. Cassandra não desistiu, e isso foi o suficiente para fazê-la soltar um suspiro. Com relutância, Angelina estendeu a mão, mas desviou o olhar, como se aquilo não significasse nada. — Na verdade, não. Mas agora estou pensando seriamente em buscar lenha, só pra parecer mais útil. — Ela brincou, um sorriso de canto surgindo enquanto observava a outra trabalhar na remoção da farpa. — Estava cuidando da limpeza e tudo aqui parece que não foi tocado há décadas.
quanta teimosia ! não se surpreende com a resistência alheia , afinal é como um bônus ser a irmã mais velha de uma família grande cheia de garotos . desenvolveu a paciência como um super poder — ou , quiçá , apenas esteja particularmente zen . me deixe ver sua mão ! quem vê pensa que vai ler as linhas da vida de muse , porém , apenas quer ajudá-lx a retirar a maldita farpa de madeira . você estava buscando lenha ? inqueriu , cuidadosa , quando tenta espiar a mão com certa cautela . é estratégia , porém , em fazer um grande caso para desfocar a tensão sobre o cadáver no andar de cima .
Angelina já estava acostumada a ver Eliza no modo comando. A maneira como a amiga se movia, o tom certeiro da voz, os olhos que mal piscavam. Era como ver alguém tentando manter o mundo inteiro colado com fita adesiva e fazendo um bom trabalho, mesmo que tudo estivesse prestes a desmoronar. Só que, ao mencionar as observações comportamentais que vinha fazendo em seu caderno, Angel notou a mudança imediata na postura da outra. Ela ficaria do mesmo jeito. Angelina inclinou levemente a cabeça, sem responder de imediato. — Fica tranquila, não é nada invasivo. Só percepções soltas, sabe? — Sorriu com leveza, tentando dissipar a tensão. Angel deu um sorriso enviesado. — Com um índice de confiança desse, acho que você deveria ser contratada por um hospital quando a gente sair daqui. — Angelina a olhou por um segundo mais longo. Não sabia como Eliza fazia isso de continuar prometendo coisas como se fosse a única responsável por manter todos inteiros. Mas algo dentro dela admirava profundamente aquela coragem. A estudante estendeu a mão, pousando de leve sobre o joelho da amiga. — Sua promessa vale muito pra mim, mas você não precisa prometer o tempo todo. Tá tudo bem. — Angelina deu uma risadinha, apesar de tudo. — Eu meio que odeio essa ideia e ao mesmo tempo, parte de mim quer ver como vai ser. Tipo, que tipo de gente dança no meio do fim do mundo? — Ergueu as sobrancelhas, encarando Eliza com uma expressão curiosa, como se estivesse convidando a amiga a rir com ela da tragédia.
A ideia de Angel estava fazendo completo sentido na mente de Eliza até que a colega completou sua explicação com algo que a deixou em alerta. "Observações sobre comportamento? Como seria esse processo exatamente?" Por um segundo, seu corpo enrijeceu com a possibilidade de que Angel tivesse presenciado o momento em que sua ficha finalmente caiu quanto ao resgate. Não queria que aquilo se espalhasse. Não gostaria que todos ficassem sabendo sobre suas crises e que ela não era tão pé no chão quanto imaginavam. "Consigo entender completamente. Também faço isso, mas estava anotando tudo em caixas mentais. Isso aqui é muito mais seguro. Posso provar, ponto por ponto, para cada um dos que não estão fazendo o que eu pedi." Um tanto controladora demais da sua parte, mas não tinha quem tirasse da mente de Liz que só conseguiriam se manter vivos por mais tempo ali se seguissem suas ordens corretamente. A sobrevivência dependia de estrutura. Por isso que também não podia mais correr o risco de sair do eixo novamente. Perder a estrutura poderia colocar todo mundo em risco. "Noventa e seis por cento de certeza. Eu já li muito sobre essas folhas que encontrei e consegui reconhecer as similaridades com as descrições dos estudos. O formato, a textura, o cheiro. Tudo bate! Elas tem propriedades que são cicatrizantes, antissépticas e ajudam a conter hemorragias leves. Só preciso fazer o remédio com água quente e vão ajudar." Ao ouvir o nome do manual sugerido pela amiga, Liz conseguiu abrir um pequeno sorriso e agradeceu com bom humor por ter a certeza que seu nome estaria nos créditos. "Vai funcionar, Angel. Não sei como vamos sair daqui, mas enquanto eu puder fazer alguma coisa, vamos sobreviver. Prometo para você. E eu acho que minha promessa precisa valer de alguma coisa, porque não me lembro de ter falhado nenhuma vez." Talvez tivesse, sim. Uma ou duas vezes. Mas não era o tipo de coisa que ela estava disposta a admitir para alguém. "Ah, e também vou precisar do seu caderno e anotações para organizar o tal baile essa semana." Rolou os olhos, já deixando claro para a amiga como nada fazia sentido aos seus olhos. "Como se aquele jogo idiota já não tivesse dado problema o suficiente."
Angelina escutou as palavras de Juno com atenção, sem interromper. Os olhos repousavam nela, atentos, mas sem invadir. Era como se estivesse entrevistando alguém para uma matéria que jamais seria publicada. Deixou o galho que segurava cair no chão e limpou as mãos nas laterais da calça suja. Não respondeu de imediato. Seu instinto era questionar e o que exatamente significava sobreviver, em termos práticos, racionais? Mas havia algo no jeito como Juno falava que a fez frear. — Talvez seja isso mesmo. — Murmurou, depois de alguns segundos. — Mas às vezes... eu fico pensando se a gente realmente sabe o que precisa. Ou se só estamos nos convencendo disso pra continuar andando. — Não havia crítica na fala. Era só o jeito que ela pensava. O olhar foi parar no lago, na superfície calma demais. — Você fala do tempo como se ele fosse o vilão. Talvez seja. Mas também pode ser só testemunha. Ele tá aqui, observando a gente enlouquecer, ou não. — Angelina riu de leve não com humor, mas com uma ironia cansada. Ela virou o rosto de volta para Juno, os olhos curiosos, mas sem julgamento. — Mas se sua criatividade tá voltando, mesmo que no pior cenário possível... Talvez seja algo bom, né? — Fez uma pausa, pensativa. Se abaixou para recolher outro pedaço de galho, antes de finalizar, de forma mais leve, quase um sorriso nos lábios. — Só cuidado com o que você alimenta. Tem histórias que a gente conta pra sobreviver, mas que depois acabam comendo a gente por dentro. E, olha, se um dia você resolver escrever um livro de mistério, coloca meu nome nos agradecimentos. Só não me mata logo no primeiro capítulo, por favor. — Ela soltou uma risadinha.
* existia uma parte que queria muito acreditar no que angelina dizia. na verdade, ainda sentia aquele resquício da antiga juno benítez lutando para sobreviver, respirando por aparelhos. essa era a resposta que daria para si mesma. só que a consciência da fragilidade daquele pensamento não lhe era mais estranha; sabia que precisava de mais do que aquilo, mais do que sobreviver. sobreviver consiste em quê, no fim das contas? comer quando precisa e não morrer de frio não parecia o suficiente. — acho que cada um sabe o que precisa para sobreviver. e acho que em algum momento só comer e acordar pode não ser suficiente. o tempo é uma coisa engraçada, algumas coisas caem por terra. e nem demora tanto. — foi o comentário que fez, quase em sussurro. falava de uma experiência humana geral, mas que tinha comprovação agora. oito dias não era nada em termos de tempo, e olha só onde ela estava. já abraçando todas as teorias que um dia rechaçou. — mas é, talvez seja o tédio. eu realmente sempre gostei de livros de mistérios. minha mãe sempre me disse que eu tinha imaginação fértil e que bloqueei ela com o passar dos anos. que acessar ia ser fácil. — "se eu soubesse que tudo o que bastava para voltar a ser criativa era uma queda de avião!", riu em silêncio, dolorosamente. / ♡
Ainda havia algo de honesto no som do mundo natural. Bem diferente das vozes na cabana, cada vez mais carregadas de tensão e medo. Ali era só ela, os sons da água e o cheiro de terra molhada. Fechou os olhos por um instante, pensando se deveria ou não tirar o caderno das suas coisas. Tinha tanta coisa presa na cabeça que talvez fosse melhor organizar no papel... Mas também estava começando a se cansar de tentar entender tudo. De traduzir o caos como se fosse parte de um documentário. Foi quando ouviu passos leves se aproximando. Angelina abriu os olhos, mas não se virou de imediato. Vão pensar que estou maluca falando sozinha... Pensou, só então virando o rosto devagar. Angelina manteve-se em silêncio por um segundo, observando. Havia algo na sinceridade solta de Denver que a pegou de surpresa. — Tudo bem é um conceito meio elástico por aqui, né? — Respondeu por fim. — Tipo… se ninguém morreu nas últimas horas, a gente tá bem. Mas se você quer saber se eu tô prestes a surtar, aí… acho que não. Pelo menos não agora. — Deu um leve sorriso, o canto da boca subindo, mas os olhos permaneciam atentos. O silêncio do riacho preencheu os segundos seguintes. Angel pegou uma pedrinha úmida do chão e a girou entre os dedos. — Eu venho aqui quando tô cansada de pensar. — confessou. — Ou quando tô pensando tanto que preciso de um lugar onde ninguém vá pedir respostas. Meio contraditório, eu sei.
não se orgulhava em admitir que estava fugindo . não era de seu feitio fugir de suas obrigações , mas as vezes até ela precisava da tão sonhada paz . os últimos dias haviam sido caóticos , ela sabia — mas nada se comparava com o desespero em ter alguém desmaiado em seus braços . denver deita a beira do riacho , não se importando tanto com as vestes molhadas pela umidade que rondava o local . seus olhos fecham , sentido o cheiro da terra e da grama , um momento silencioso onde tudo que ela esperava ouvir era o som da natureza a sua volta , não uma pessoa . os olhos de denver procuram a sua volta , tentando achar alguém até que se foque em angelina . orsett considera permanecer sentada , em sua própria calmaria quando ouve as frases ditas ao ar . será que ela falava consigo ou apenas despejava um monólogo solitário ? os olhos a seguem , levantando pouco a pouco , tentando compreender o ponto de tudo aquilo . ⸺ está tudo bem ? é a primeira coisa que diz , mostrando a outrem que não estava sozinha . quiçá , nem tudo que ela dizia tenha sido direcionado a todos . ⸺ bem , acho que as coisas não estão fáceis para ninguém , não é ?
Angelina já estava sentada há algum tempo, encarando o nada. Só pensava. Tentava organizar o caos da noite em algo que fizesse sentido, mas a verdade é que nem sua mente lógica conseguia dar conta daquilo. Tudo parecia ter saído de um roteiro barato de terror, e ainda assim, uma parte dela dizia que havia sido real. Angelina soltou um riso discreto, balançando a cabeça quando notou que não estava sozinha. Agradeceu mentalmente por ser Finnegan porque ele a entendia e não a chamaria de louca por estar falando sozinha. — Você quer dizer o nosso maravilhoso resort cinco estrelas no meio do mato? — Respondeu, ainda sem olhar diretamente pra ele, os olhos seguindo uma folha que tremia ao vento. — Com direito a cardápio rotativo de carne de cervo e chá de plantas suspeitas? — Era uma piada, mas as palavras carregavam um cansaço verdadeiro. Finn comentou que não acreditava em nada daquilo, e ela finalmente virou o rosto para encará-lo. — Eu também não acredito. — Murmurou. — Quer dizer, não do jeito que estão dizendo. Espíritos, maldição, essas coisas. — Angelina apreciava a presença dele. — Claro, é estranho uma pessoa morando no meio de uma cabana no nada, mas espíritos é demais. — Ela suspirou porque odiava ter perdido a conta dos dias. Aquilo sim era sinal de surto. — Perdi a conta no décimo quinto. — Respondeu, encostando a cabeça nos joelhos abraçados. — Eu tô tentando entender como é que a gente chegou nesse ponto. Como é que uma brincadeira virou um símbolo de desespero. — Ela disse, olhando para o horizonte, onde o céu começava a abrir.
Não conseguia acreditar em tudo aquilo que rolou na noite anterior, já era difícil cair em pegadinhas envolvendo espíritos e para Finn tudo aquilo foi uma mera coincidência junto a algum engraçadinho se aproveitando do pavor para instaurar mais pânico. Não sabia quem, mas passaria a observar melhor os outros sobreviventes e, no primeiro indício de que estariam causando de propósito, os jogaria na roda. Tinha o costume de sair cedo, isso quando não dormia, para caminhar e organizar os próprios pensamentos. Ele precisava ser lógico, ignorar qualquer crença, rituais ou histórias que os outros estavam espalhando para se aproveitar das mentes mais frágeis. Se perguntava quando o regaste viria, se é que viriam em algum momento, mas torcia para que fosse antes de um surto coletivo generalizado. Ele preferia morrer do que entrar na onda dos outros e só se imaginar crendo em fantasmas já o tira a do sério. Angelina era uma das poucas que pensava assim como ele, tanto que na maior parte do tempo, quando não estava ocupado com seus afazeres envolvendo a melhoria daquela cabana e a busca por alimentos, Finnegan sempre se encontrava com a garota para conversarem. Não disse nada quando se aproximou, apenas ouviu tudo o que ela tinha a dizer ciente que, colocar para fora era melhor do que guardar para si. — Vou adorar ler tudo o que você escrever a respeito da nossa incrível experiência nesse lugar. — Comentou em meio ao riso divertido com a menção do cardápio. — Não acredito em nada do que aconteceu, mas estou tentando respeitar quem está surtando e se agarrando a uma justificativa para o que houve. — Tomou a liberdade de se sentar próximo a pedra onde Angelina estava. — É complicado... Estamos aqui já faz quantos dias? Nem lembro mais. — Finnegan parou de contar depois da primeira semana, para ele fazia mais sentido não fixar seus pensamentos nos dias que passavam para não piorar ainda mais sua ansiedade.
Aparentemente a morte estava de olho na presença de ANGELINA DONOVAN. Quando o vôo 317 caiu, ANGEL tinha apenas 23 anos e a floresta reconheceu como CONFLITUOSA, embora também fosse CURIOSA, mas acho que não gostaram dela mesmo assim. Sabemos que ela ficará para sempre nas memórias de seus amigos e familiares como ALGUÉM SEMPRE BUSCOU A VERDADE, ATÉ O FIM. Espero que descanse em paz, ou talvez volte pra assombrar seus amigos!
Angeline Donovan sempre teve um faro aguçado para histórias e mistérios, mas nunca imaginou que um dia se tornaria parte de um e até hoje nem imagina que isso realmente aconteceu. Nascida e criada em Nova York, Angeline cresceu em um apartamento pequeno, repleto de livros, pilhas de jornais antigos e com o som constante do noticiário na televisão. Filha única de um repórter investigativo e de uma professora de literatura, desde pequena aprendeu a importância das palavras e do poder da informação. Determinada e ambiciosa, ela sempre se destacou nos estudos. Desde cedo, sabia que queria ser jornalista. Quando adolescente, conseguiu um estágio em um pequeno jornal local, onde aprendeu na prática como funcionava o ofício.
Mas sua vida não era perfeita. Seu pai havia deixado a profissão de forma misteriosa, e a relação entre eles nunca mais foi a mesma. Havia segredos dentro de sua própria casa, e Angeline sentia que, por mais que perguntasse, sempre recebia apenas meias verdades. Isso a tornava ainda mais obstinada a buscar respostas, não apenas para sua família, mas para tudo ao seu redor. Desde o ensino médio, ela construiu um portfólio: reportagens investigativas para o jornal da escola, estágios em pequenos jornais locais e até a publicação de um artigo sobre corrupção política em um blog independente, que acabou viralizando. Mesmo sem ter uma condição financeira privilegiada, Angeline garantiu sua vaga em Dartmouth através de uma bolsa de mérito acadêmico.
Era brilhante, mas sua persistência extrema às vezes a colocasse em situações complicadas. Costumava ser mais enxerida e esse fato que lhe rendeu tanto reconhecimento quanto inimizades. Quando ouviu falar sobre a viagem de integração, Chiara viu aquilo como uma oportunidade, não apenas de se conectar com os colegas e fazer mais amigos, mas também de escrever uma matéria sobre a experiência para o jornal da faculdade do qual fazia parte com orgulho. Mal sabia ela que essa história se tornaria seu último trabalho inacabado.
Angelina não costumava chamar Eliza sem propósito. Mas aquele momento parecia oportuno, talvez até necessário. Enquanto a organização da cabana caminhava de forma surpreendentemente funcional. Era como se o ato de anotar e catalogar fosse a única maneira de se manter inteira. Liz era uma das poucas pessoas ali que realmente entendia a importância de manter algum tipo de estrutura física ou mental. Assim que ela comentou sobre o caderno, Angel abriu um sorriso pequeno, mas genuíno. — Sim, tem tudo aqui. Grupos, tarefas, o que conseguimos por dia… Até algumas observações sobre comportamento, mas isso é a parte. Sou jornalista, afinal. Faz parte documentar até o que não querem. — Era como estar de volta a alguma sala de aula, dividindo ideias para um projeto final. Só que, agora, o projeto era sobreviver. — Acho que é uma forma de manter a cabeça ocupada e de não esquecer nada importante. — Havia um humor leve em sua voz, mas também tinha a resignação. A realidade estava muito distante da viagem ecológica que imaginara. Quando Eliza mencionou os remédios naturais, ela observou com uma curiosidade genuína. — Tem gente que não fala, mas tá sentindo dor o tempo todo. E manter todo mundo de pé ajuda a manter a calma geral. Espero que ajude mesmo. Tem certeza que as folhas são seguras? — Fez uma pausa, coçando a testa com o cabo do lápis. Depois, olhou para o caderno nas mãos da amiga, com um sorrisinho. — Se eu conseguir sair daqui viva, esse manual já tem até nome. ‘Sobrevivendo com Estilo: Guia de Crise da Floresta’. E claro, seu nome vai estar nos créditos. — Brincou, ainda que no fundo houvesse algo verdadeiro no comentário. A ideia de documentar tudo parecia algo magnifico, mesmo que nunca fosse contar em voz alta isso para alguém além de Liz. Sabia não poderia ser bem recebido registrar todo aquele sofrimento. — Se nada mais funcionar… Bom, pelo menos vamos deixar uma história organizada para alguém encontrar.
Ao que tudo indicava, Eliza estava satisfeita com o que haviam conseguido até ali. A cabana estava ajeitada da melhor forma possível, dentro das limitações que tinham, e os grupos seguiam funcionando como o planejado, realizando suas tarefas. Estavam mantendo a ordem e para Liz, isso significava manter também um pouco de sanidade. Haviam sim alguns que insistiam em dizer que ouviam vozes vindas do segundo andar da cabana, mas Eliza sempre tratava de encerrar o assunto rapidamente. Afirmava que o vento entre as frestas da janela improvisada ou algum pássaro desconhecido poderiam ser confundidos com vozes. E que, portanto, não havia razão para se alarmarem. Quando foi chamada por Angelina, estava a caminho do lugar onde havia encontrado folhas para remédios naturais, mas não viu problema em atrasar um pouco para ouvi-la.
Já tinha visto aquele caderno utilizado por Angel antes. Havia até se identificado com a ideia da amiga, pois apesar das motivações diferentes, Liz tinha o mesmo desejo por informação que ela e também gostava de organizar tudo que tinha descoberto nos livros. "É mesmo?!" Arqueou as sobrancelhas em surpresa e se animou em deixar a tarefa anterior de lado para poder ver a maneira como Angel estava organizando tudo. "Isso é perfeito. Assim vamos ter uma noção exata do que podemos usar por dia e quanto precisamos repor." Pegou o caderno da estudante sem pedir e começou a folheá-lo. "Vamos fazer isso com a comida também! E com os remédios que eu vou fazer. Encontrei algumas folhas que funcionam para remédios naturais e vai ajudar na cicatrização dos machucados mais sérios. Não dá para fazer milagres, então ossos quebrados não se juntarão de uma hora para outra, mas acho que consigo evitar que sofram com uma inflamação grave até o resgate chegar." Explicou, conforme folheava o caderno para ver o que mais Angelina tinha documentado. A ideia e técnicas de organização eram ótimas e estava orgulhosa dela. "Você vai querer publicar o manual depois que sairmos daqui? Espero ganhar meus créditos." Acompanhou o humor da amiga, mesmo sabendo que não havia nada de realmente engraçado no motivo para estarem fazendo tudo isso.
angelina donovan, eternamente com 23 anos, estudante de jornalismo.
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